You have to ask yourself what brought the person to this point

terça-feira, 20 de setembro de 2011

uniformizada

            Agora, como lhe disse, não percebo a potencialidade dessa questão. É demasiado ambígua. Sim, temos tendência a dispersar-nos. Mas, anote agora, era tudo um sonho. Correcto? Era tudo um jogo perigoso de onde ambos queríamos sair queimados.
            Não sei do que estou à procura, risca-me a mente ao observar-me completa diante do espelho onde procuro indícios e vestígios que não sejam distinguíveis nos corpos de nenhum outro individuo. Nem do Figgy, nem da Nancy, nem do Led. Só que, à medida que me vou sentindo nas mãos, a pele parece-se mais ligeira, menos mundana, mais irreal, mais idílica. O prazer, a dor, a alegria, a euforia, são tudo peças tão insignificantes e dispensáveis que facilmente as possa alterar com a dosagem correcta. Abro a palma da mão onde ele se assinala, um pequeno comprimidinho cor-de-rosa repleto de serotonina e amor. Dispersa-se tudo e os meus olhos revelam duas existências que se começam a uniformizar. A verdade é que não sei o que procuro. É tudo um sonho. Engulo o comprimido e permaneço inexpressiva fitando-me. Realidade. A verdade é que tudo em mim parece tão longe disso.


Conto 7: Suntory Yamazaki Single Malt Whisky, História de uma Garrafa de Whisky

domingo, 18 de setembro de 2011

anotar: vou

Não vai ser muito pelo acto de escrever porque eventualmente, com o passar dos anos, vou-me apercebendo de que escrever é só uma forma de descontrair o que me vai na mente. À medida que o vou soltando para o papel, sob uns contornos e outros vou aliviando o pensamento de um peso tremendo que é o da reminiscência. Nós lembramos demasiado e temos dificuldade em lidar com essa memória toda arquivada em células pequeninas. Principalmente quando ficamos sozinhos, as memórias soltam-se todas como serotonina no cérebro e temos uma inundação de sensações ardilosas. Vou-me aperceber de que a escrita automática funciona, a escrita regular também, outros géneros mais alternados exprimem bem a matéria que não consigo articular naturalmente. Nisto vou conhecendo muitas pessoas. Personagens. Anotar: nem toda a gente que conheces é real…mas as histórias são.
Vou voltar a sentar-me lá umas quantas vezes, ao nível da porta e pensar, porque é que a normalidade é tão difícil de seguir, de nos agarrar. A maioria das vezes vou sentar-me por lá e ficar a ponderar na Barbarella. Vou ter de seleccionar palavras e é uma responsabilidade muito pesada. Vou passear em mil mentes e vou conhecer várias histórias. Mas vou-me sentir cansada e eventualmente terei de voltar ao quarto, sentar-me e pensar. Anotar: de onde é que isto tudo vem?



Conto 8: Cutty Sark Whisky, História de Uma garrafa de whisky

domingo, 12 de junho de 2011

Impossível saber o que há:

Fumo do cigarro e faço umas bolinhas com o fumo. Pam pam pam pam. As luzes piscam para lá desta ponte por onde passamos. Estamos sobre o mar. SOBRE O MAR. Danço com as luzes e toco com enlevo para elas num frenesim musical espectacular. A ponte sustem-se em dois pilares, um no começo, outro no fim e de resto estamos entregues a estes suportes de borracha resistentes, como se chamam? Como? Não há limites. Parece um bocado absurdo se estudarmos o cenário bem: dois suportes e cem carros empilhados numa ponte de alguns metros de comprimento, se virmos atentamente, ela começa onde acaba.


-As coisas acabam todas onde começam. – suspiro.

-Onde? – pergunta o Charles com o cigarro nos lábios.

-Lá em cima. – digo.

-Lá em cima onde, meu? – pergunta o James, um bocado aparvalhado e incrédulo.

-Lá em cima, - respiro observando a atmosfera do exterior - no palco.

 
História de uma Garrafa de Whisky, conto 6: Ardberg

quinta-feira, 26 de maio de 2011

redenção, está tudo relacionado com redenção

A fuga, começara então por considerar, era perfeita, era exactamente perfeita e, Susan necessitava de uma fuga dessas, quase inconsciente e perfeita, evidente, eficiente! Entretanto a cena foi-se desenvolvendo, o beijo entre o casal, o toque mais aproximado, o unir dos corpos, o penetrar dos sexos, todos esses ínfimos detalhes que uma mãe jamais quer ver a filha praticar mas que, bizarramente, Susan encontrava incrivelmente belos. Ouvia as palavras que eles proferiam, ditas com uma sinceridade desmesurada e desejou trespassar o corpo da filha. Por momentos implorou que a imagem velha e cansada que vestia a abandonasse, que nada restasse do seu visual mundano, que não fosse mais que uma brisa numa noite destas – quente; um toque na melodia de Haendel que ressoava pelo quintal, alto o suficiente para que ela ou James a ouvissem mas que aparentemente nenhum deles escutava; a relva fresca que recebia os corpos dos dois, quentes pelo sangue que neles flui; uma alma que rasteja no mundo concreto, a ansiar por um conhecimento supremo, a viver o vazio de uma maneira que aos olhos de Susan era saudável. E depois de muito pensar concluiu que era necessário encontrar uma fuga tão eficiente quanto a de Teri, um suporte que se apresentasse forte o suficiente, inquebrável, incessável.






E descobriu-o, resguardado entre as suas mãos esbeltas onde as veias precipitavam saltar, tomadas pela loucura e êxtase que lhe envolvia o corpo – a garrafa – o Johnny Walker quente pela fricção dos membros no vidro da mesma – o whisky – cada vez menos, a descer-lhe pela garganta até ao estômago, sem estacar.







História de uma Garrafa de Whisky, Conto 3: Johnny Walker

terça-feira, 24 de maio de 2011

Querida Leigh,

Dormi durante setenta e duas horas e quando acordei escrevi-te isto. Penso que vou voltar a deitar-me. Continuo a sentir-me terrivelmente cansado. As ideias atravessam-me a mente com tal rapidez que dirias que é mentira, impossível. Cansam-me. Tudo me cansa. Preciso de descansar. Pensei na morte. Não gosto de pôr as coisas desta forma, mas pensei nisso. “Porquê Simon?” quase te ouço perguntar. O que há aqui que não me leve a fazê-lo? Existes tu, sem margem de dúvida. E és mais que suficiente. Mas não és para sempre. Só vais ser um argumento durante mais tempo, prolongar o inevitável. Hoje posso não sair do quarto, posso ficar e beber ou fazer umas linhas. Mas se preferires vou até à sala e vejo um filme ou ouço um disco. Não há diferença no que toca ao fim. Ambos me matam. Ambos me desgastam. Foi essa a diferença crucial que ainda não percebeste – não há diferença. É tarde de mais para haver. Sou um caso tão perdido. Vivo de momentos que estagnaram no tempo. Não voltarão a ser reproduzidos. Tenho tido uma necessidade brutal de falar sobre mim, como se fosse tudo acabar e precisassem de saber exactamente como é que as coisas se passam, se sentem, e conjugam. Talvez fale demais. Não interessa, isso é só mais uma prova de que há coisas a acontecer e agora não sou o único a ter consciência disso. Hoje queria loucamente dormir contigo. O teu calor sempre acalmou o resto que borbulha em mim. Acho que agora simplesmente o abranda. Tenho pena daqueles que não têm para onde ir nessas alturas. Mas sobretudo tenho pena daqueles que não sabem como ir. Eu tenho-te ao lado. E não sei como mas custa-me procurar-te.

Sinto-me aborrecido. A vida é aborrecida. O homem é um ser irrealizado. O teu cheiro faz-me largar o meu pescoço por minutos, faz-me desapertar a corda justa que pende do tecto. Mas como já te disse, não é suficiente. Quero fazer amor contigo uma última vez, deixa-me vir em ti.


Com amor, Si


 
 
Por Simon, em Empty Divisions

terça-feira, 17 de maio de 2011

we

Eles evitam-nos porque sabem que procurar-nos lhes traria demasiados problemas. Nós expomo-nos porque, de facto, somos provocadores e alimentamo-nos da provocação e do choque que ela geralmente acarreta. Nós vamos e embatemos com tudo, explodimos com limites e com convenções. Nós rasgamos as ideias e inovamos com loucura, com desdém, com uma latência de maneiras pouco usuais, pouco…morais. Nós magoamos e recalcamos na ferida com dedos imundos e indecorosos de uma sujidade incomum e dolorosa. Nós fluímos em êxtase e palpitamos sob a noite chamativa, implorando por mais gramas, pelas gotas da bebida que nos endoidece e, nós nunca estamos sozinhos… caminhamos em pares e grupos fundidos que não se desapegam, nem se cansam, nem cessam, que altivos vão fendendo com as estradas e as ruas e as casas. Apregoamos Alá aos deuses dementes do Calígula e ordenamos aos restantes que nos moldem em estátuas de bronze de dimensão extrema com sexos hirtos e vivos. Quebramos com as convenções e não se importam connosco, o que não interessa realmente, porque nós também não nos importamos com eles.




por Alicia, em Suntory Yamazaki Single Malt Whisky

terça-feira, 29 de março de 2011

borracho na lua

Fluímos numa solidão brutal da rua deserta e implacável onde o som do trompete começa já a sair putrefacto e gasto e onde as sonoridades perdem aquele brio conseguido em palco, mas a minha voz é seca e rouca e não consigo proferir estes dialectos com precisão, não sei a que socorrer, já não há forças que sustenham este método, somos só eu e tu: os desolados desabrigados. O jazz e o player, sozinhos na batalha. Bum, ele apita lá do fundo, onde já não se sente, piiiiiiiiimmmm biiiiimmmmm já dói, já se sente, é o trompete. Eu sou o Steve, hoje esta noite, Steve e o Trompete! Sem sax, aparece nas entre linhas, todos batem palmas de insatisfação, só me querem ver no sax, que miséria. Piiiiiimmmmm, ele chora-me entre os lábios, não sei como o silenciar, é uma dor autentica, repleta de verdade. Depois ouve-se um tambor lá ao fundo, não espera! É o som da bateria, eles querem-me, querem-me, querem-me! Vou nadar até à margem, mas a maré puxa-me para baixo, para o profundis, dez metros abaixo da superfície…. Piiiiiiiimmmmm… dói-me o peito de tanto puxar esta nota, de tanto-tanto-tanto-piiiiiimmmm…arghhhhhh
Bap bap bap bap bap, ouve-se na calçada, volto-me para trás para a observar melhor, é aquela gata com o cio, meu, ela está com o cio e vem de saltos altos, OUTRA VEZ. Já ninguém quer saber do mestre, caminhamos sozinhos.
-Tenho-me vindo a alimentar deste tabaco e deste whisky, gata. – digo-lhe roucamente num arrastar lamentoso.
-miiiiauuuu – geme ela.
-mii-o quê?
-aaaaauuuuuuuuuuuuu



História de uma Garrafa de Whisky, Conto 6: Ardberg

segunda-feira, 21 de março de 2011

tripping on E: The Little People

Passou não sei quanto tempo e acho que me deixei de dormir. Pareciam muitos minutos juntos, talvez tenha mesmo chegado a uma hora. Abro os olhos lentamente e a luz da janela fere-me os olhos, tenho certa dificuldade em mantê-los inteiramente abertos. Vejo o Jimmy, o gajo está deitado no sofá, com a bocarra aberta e um grande ar de prazer na cara. Ao vê-lo assim, sem a maior parte dos dentes, assusta-me um bocado. Penso nas possíveis coisas que lhe posso dizer para que feche a boca mas nada me parece apropriado.


-Jimmy?

-Sim?- Resultou!

As coisas parecem-me normais, com excepção de uma felicidade e tranquilidade interior inexplicável, não sinto nada mais.

-Epá, esta merda não faz nada. Acho que foste ferrado e, de certa maneira, ferraste-me.

-Tem calma miúda. Dá algum tempo ao comprimidinho. Depressa vais começar a sentir o poder disto.

-Não tenho tanta certeza disso. – volto a fechar os olhos e tento concentrar-me em qualquer coisa que me entretenha. Por incrível que pareça só me consigo ver a correr, descalça, com um vestido branco, num campo de malmequeres, a sentir-me estupidamente feliz. Só me consigo imaginar a lançar sorrisos às flores e às árvores e aos pássaros. O cd já acabou. A sala está em pleno silêncio agora. Continuo a ver-me acenar aos pássaros e às borboletas coloridas que preenchem este sonho de felicidade. A música Lola dos Kinks continua a ocupar-me a mente. Na verdade, não me sai da cabeça. Qualquer pensamento em que me foco vai parar à Lola, qualquer palavra que ouço se articula em Lola. Lola, Lola, Lola. Lembro-me de andar nua pelo apartamento, molhada, a cantar. Pareço muito, muito sensual, assim, com a água a pingar, a rodopiar enquanto a música toca.

Well we drank champagne and danced all night


Under electric candlelight


She picked me up and sat me on her knee


And said dear boy wont you come home with me

Tenho uma intensa vontade de me levantar e dançar. Parece mais forte que eu. Abro os olhos novamente e a música continua a tocar, como se deixasse de pertencer ao sonho que pensava integrar. O Jimmy continua sentado no sofá ao meu lado. Na minha frente em vez da aparelhagem, da televisão, da mesa com os copos de whisky estão uma dúzia de pequenos anões. Mas que caralho estão anões a fazer na merda da minha casa?! Parecem ridiculamente vestidos e insistem em ecoar juntos:

Lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola


Lola lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola

Foco os olhos nos tiposinhos. Até que são divertidos. São coloridos, as cores vibrantes das roupas deles atraem-me o olhar, sinto-me viciada nas danças deles. Apetece-me comê-los loucamente. Não sei o que se passa. Só penso nisso. Comê-los. Comê-los. Comê-los.



Coca-cola]


C-o-l-a cola


Oh my lola lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola

A palavra Lola aparece escrita no ar. Enquanto os anões cantam. Desato a rir. Esta cena é tão marada. Foda-se. O comprimidos são mesmo do melhor e eu que duvidava do meu Jimmy. Oh, Jimmy, Jimmy. Espera onde está o Jimmy? Estará a dançar com os anões? Ah, foda-se. Isso é que era do melhor. Não, não. O Jimmy está sentado no sofá. Oh Jimmy, meu Jimmy. Bem que me apetecia dar uma agora. Será que… Hum…

-Jimmy?

-Sim, querida? – será que ele disse mesmo isto? Oh pá. Como é que eu nunca me apercebi. O Jimmy é um porreiro. É um gajo excelente, excelente mesmo! Excelente o suficiente para… acho que estou a dar muita cana. Será? Acho que sim. Oh, não. Acho que ele está a começar a perceber o que se passa. E agora? Oh, estou a ser muito óbvia. Dou-me com o Jimmy há anos e nunca olhei para ele desta forma. Mas hoje… oh, hoje… ele parece tão irresistivelmente sedutor. Será que ele vai levar a bem? Ou será que se ofende? Será que me vai recusar? Me vai dar uma tampa? Talvez não seja suficientemente boa para ele. A verdade é que o Jimmy é de outro andamento, demasiado elevado para mim. Ele vai-me recusar. Vou ficar tão fodida. Que merda. Foda-se. Não podia escolher gajos ao meu alcance? Oh, se eu pudesse, se eu pudesse…

-Patrícia? Patrícia?

Ele está a olhar para mim atenciosamente, talvez devesse seduzi-lo, assim ele só avançaria se quisesse e eu não me preocupava com recusas. É isso! É isso! Vou seduzi-lo. Talvez se me esticar no sofá e puser as mãos acima da cabeça, sim é isso. Tenho de por as mãos acima da cabeça, os tipos curtem isso. Sentem que te estão a aprisionar. É isso. Ele está a começar a olhar. Consigo ver o desejo nos olhos dele. Ele deseja-me. Oh, pois deseja.

-Patrícia? Que caralho estás a fazer? Estás muito mal?

-Vem até aqui Jimmy.

-Sim, querida. Que se passa? – Oh merda, ele disse-o outra vez. O tipo é fatal. Irresistível. Oh sorri Jimmy, sorri. Ele está mais perto, mais perto.

-Eu tenho estado aqui a pensar…

-Sim.

-Abraça-me. – acho que o apanhei desprevenido porque o tipo olha-me com uma cara de total surpresa que parece que vai ter um ataque cardíaco. Estou mesmo a vê-lo, a ter uma data de espasmos seguidos e a cair para o sofá, com um fio de vómito a escorrer-lhe pelo lábio e os olhos semi-abertos. Agora abriu um bocado da boca e deixou visível os dentes que lhe faltam. Foda-se. Este tipo tem o seu charme. Apetece-me loucamente enfiar a língua dentro da boca dele. Apetece-me tanto, tanto.

-Está tudo bem, Patrícia?

-Abraça-me só, abraça-me só. – oh, tudo faz muito mais sentido agora, que ele me abraça, que me envolve nos seus braços delgados, que lhe sinto as mais pequenas articulações, os músculos, o bater do coração, quero tanto sentir o sabor da boca dele, quero tanto senti-lo dentro de mim. Se fosse a Lola a falar, diria o que eu pronuncio “Te quiero mucho”.

-Então pá? Que é que se passa, miúda? – Não. Não. Este miúda não parece do meu Jimmy. Tão horrível, tão grotesco. Só pode ter sido… hum…hum… do Jimmy! Oh, merda. Estou a voltar a mim. De uma maneira calma e brutal começo a aperceber-me de quem é a pessoa que está à minha frente. Oh pá. Será que eu disse aquelas merdas em alto? Será que o Jimmy percebeu? Será? Foda-se não. Isto vai ser uma confusão do caralho. Os comprimidos eram mesmo do melhor.
 
De Nevermind, Cap. Rapariga procura garrafa de whisky para relacionamento sério

quarta-feira, 9 de março de 2011

This is - vanishing point here -

Desapareceu tudo, ocorre-me enquanto me embalo pelo guiar do carro na estrada alcatroada, conduzido pelo James Jr. que trabalha para a minha família há demasiado tempo para que me recorde. O céu, por cima da minha cabeça, vai deslizando como se fugisse e a imagem que me chega à retina é contínua e embevecida.


É este o cenário presente que decorre no interior de uma limusina negra, suficientemente espaçosa para mim e para o meu grupo social que de momento não se revelam presentes.

Desapareceu tudo, volto a pensar enquanto estendo o braço em redor no carro, procurando com a palma da mão suada, a garrafa de vodka que havia iniciado há talvez não tanto tempo assim mas, desapareceu tudo, acabo por concluir. A sensação intermita de que o meu corpo se encontra completamente vazio sobrepõe-se a tudo o resto e a displicência causada pela bebida é a única coisa que prevalece.

-Até onde quer ir, menina? – pergunta-me o James, baixando o vidro que nos separa neste veículo. Levo a garrafa vazia aos lábios e pretendo que bebo um gole do seu não-conteúdo ignorando a questão.

-Devo deixá-la em casa, Miss Falloon? – insiste novamente.

Tusso violentamente e mantenho o olhar fixo no céu que se afasta, visível através do tecto aberto. Desapareceu tudo. Tudo, tudo, tudo. É-me imparcial todo o meu corpo, o céu demonstra-se quedo, a voz de James ouve-se rasgada, uma voz de negro, rouca e dura.
 
História de uma Garrafa de Whisky, Conto 3: Jameson Irish Whiskey

quinta-feira, 3 de março de 2011

quero quero quero quero

As nossas perspectivas de uma existência sã e comum, de uma estação que clarifique o que representamos exactamente para cada um de nós porque na verdade nem sequer sei o que significa ao certo representar. Está tudo sempre tão evidente que não há sequer ensejos de figuração. Preciso de perspectivas, alternativas, possibilidades. Preciso de eloquências, loucuras, demências. És um doido varrido e falta-me essa instabilidade metódica que é tão espontânea quanto premeditada. Preciso de voltar a sentir-me no centro de tudo. No âmago de ti. De ti e de mim. No âmago da casa. No âmago do copo, da cama, da solidez, da expressividade. Porque faltam-me recursos para me manifestar e necessitar é tão estupidamente incongruente. Precisar, precisar, precisar…. quero! Quero voltar a sentir-me no âmago de tudo. Quero atingir e ultrapassar as dicotomias do admissível e inadmissível. Quero declinar e perder as concepções de íntegro e desacertado. Quero exceder as indulgências do meu corpo. Quero transgredir o meu ser. Quero atingir o epicentro do atingir. Quero tudo, tudo, tudo. Quero não lamentar. Não pensar. Não possuir a possibilidade de relacionar e de exemplificar. Quero ser tão desguarnecida e supérflua. Desabitada, e eu sei que assimilas esse vocábulo. Que ele comanda e resume a tua vida singularmente. Quero porque é insano e a insânia é saudável de seu modo. << Nenhuma insânia pode ser saudável. Ela mesmo o clarifica: insânia, loucura, demência, insensatez. Não é aceitável. Pondere sobre o que significam as palavras se é assim uma tão boa escritora. Se se considera assim uma tão eficiente jogadora, se sabe jogar com as palavras esclareça o significado delas primeiro. Tente encontrar o que está tão manifestamente ausente. Não há respostas exteriores a si. Não há nenhuma loucura que mereça recompensas.>>


História de uma Garrafa de Whisky, Conto 4: Ballantines

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

since when are you awake?

-Tu e eu não temos esses problemas, gata, nós estamos sobre isso. Nós vamos a todo o lado e fazemos tudo. Nós somos imbatíveis. E sabes porquê? – inspiro outro longo trago do cigarro adulterado. Observo-o através de duas pupilas corrompidas e de duas pálpebras arroxeadas. Aguardo. – Porque podemos, babe, porque podemos.


O quarto torna-se subitamente púrpura e a claridade esvanece-se para fornecer lugar a um conjunto luminoso de trevas cuja sobriedade guarnecem o meu quarto de uma potencialidade altamente avassaladora. É tudo sombrio aqui dentro. O Figgy acaba de preparar o crack e estende-me o pipe para que seja eu a primeira a puxar um trago. O fumo corta-me a garganta e cuspo um bom pedaço de expectoração ensanguentada para o colchão negro onde estamos deitados e ao fim de alguns minutos é só mais uma nódoa que tinge o branco cal do nosso suporte de sono. O tronco trabalhado dele liberta um calor inodoro que se visualiza bem como o pó quase imperceptível que ondula no ar, só que agora são ambos perceptíveis devido à tonalidade de luzes que se insere no quarto e explode no ar escurecido. Tento alcançá-lo mas as distâncias que nos percorrem são desmesuradamente absurdas. Envolvida na dormência da droga e em toda uma condicionante que retrai as outras sensações primitivas que regulam os seres humanos decaio num sono imbecil e quase eterno nos braços de uma cama de colcha negra que se insere num quarto onde exclusivamente se realça um azul marinho proveniente das janelas mortiças.

-É o fim da festa, sabes? Isto é o fim da festa. – sussurro por entre a impenetrabilidade do quarto. Ouço-o arfar com a cabeça enterrada nos lençóis frescos. O quarto, em oposição é assombrado por um calor avassalador que provoca o derreter de várias parcelas. Move-se tudo aqui dentro. O meu peito que respira autonomamente, sente-se de um modo pesado e exterior ao restante corpo, numa dificuldade atroz de se suster.

 
 
Por Alicia em Suntory Yamazaki Single Malt Whisky

sábado, 1 de janeiro de 2011

whe-where is?

          -Silencio-me quando falas sobre falhas de carácter e matuto sobre o significado verídico que se escondem por detrás desses dialectos. Não compreendo sobre o que falas. Não detecto as tuas falhas de carácter horrendas. Faz-me entender ao que te referes concretamente. Percorres o espaço vazio que nos separa disparatadamente. Os opostos do quarto parecem incrivelmente longe. Tens cabelos curtos que começam a crescer com uma facilidade visível. Tens a pele hirta e flagelada pelo frio mas arrastaste-te em pesadas afastadas e determinadas. Explica-me.


         -O que se me explode dentro da razão rapidamente se silencia e é árduo voltar a pedir-lhes que falem. Não encontro frases e segmentos que explicitem o que pretendo dizer. É tão difícil fazer-me falar que compreendo agora a incapacidade de assimilar a causa humana, a causa do que nos alimenta. Gostava que também visualizasses a perspectiva do meu ponto de vista, que fosses concretamente menos objectivo. Abstrai-te. Deixa-me, pelo menos, mostrar-te.

        -É inútil complicares o só te fará sofrer ainda mais, digo e bebo o uísque que ainda à pouco iniciara. É meia noite, as badaladas ouvem-se novamente, afinal já é meia noite e um quarto. Ela observa-me com olhos deslumbrados mas que em nada se livram da sua obstinação. Os dedos tremem-lhe enquanto segura o cigarro e o leva aos lábios soprando daquele fumo. Vejo-a frágil e efémera. O cabelo. Os olhos ruby. Os dedos que lhe tremem nas mãos…só te fará sofrer ainda mais.

      -Dizes-me que é inútil complicar, que é inútil o irracionalismo, que me magoa ainda mais. Mas não fazes ideia do que é que me magoa realmente. Edimburgo distende-se no nosso quarto e começo já a ouvir as sonoridades dos elementos que ainda há pouco referenciavas. Já me baloiço neles, já preciso da sua essência, já não quero fechar a janela. Batuco com os dedos nos joelhos e giro-os em toques repetidos e consecutivos. Pulsa-me a música através dos membros. Integro-me no que se encontra disperso fora do quarto. Dentro do quarto. Bebes o uísque e observas-me enquanto fumo passivamente. É inútil não complicares. É inútil a tua racionalização. Abres a boca mas calo-te com um simples alçar da mão.

 
História de uma Garrafa de Whisky, Conto 5: Laphroiag