You have to ask yourself what brought the person to this point

segunda-feira, 11 de março de 2013

those fucking legs


Eu percebia tudo mas ela não. Ou talvez fosse ela quem percebesse tudo e eu não. O que conta é que foi aí que ficámos. E uns tempos mais tarde ela saiu da minha casa e eu queria que ela se fosse embora porque não aguentava mais com aquele cheiro. Era um odor demasiado…matreiro. Ficava empregue nos lençóis, nas roupas que usava (mesmo após a sua lavagem, e eu bem tentava) e no ar que se fixava nas paredes, entranhado. Cheirava tudo a ela e a febre era latente. Arrastava-me languidamente pelas divisões da casa e esfregava-me, tal gata com cio. Demorou algum tempo até sair esse fedor. Até ficar completamente aniilado. E depois foi-me permitido que vivesse em paz mas sempre consumida por uma ideia, que não era concretamente uma ideia, mais uma imagem, uma lembrança, de a ver passar a sala, discretamente nas pontas dos pés para não fazer barulho, soprar-me um beijo silencioso com o dedo esguio encostado aos lábios carnudos e desaparecer pelo vão das escadas. E eu já sabia…oh! Sabia tão bem! Onde é que ela estaria, com as meias enroladas nas mãos, a subir pelas pernas, através da pele, o olhar muito estreito e observador que ela me dirigia “Eu sei que estás aí”, “Eu sei que me viste” para depois desaparecer porque eu apagava a luz. Não precisava de ver. “Fica aí dentro.”, quase lhe dizia, “não há necessidade de vires fazer isso aqui para fora. Esconde-te. Deixa-me.” E passava novamente para escovar os dentes e observar-me ao espelho; as feições da face sobre outras feições da face e puxava a minha meia preta também. Sabem aquelas pessoas que conhecemos durante muito tempo mas que quando chega a uma altura nos apercebemos de que não sabemos quase nada sobre elas porque estávamos tão tremendamente apaixonados que nos esquecemos do que é que no meio daquilo tudo era o amor e o que era de facto a realidade? Ela era como uma canção triste de Jazz, pode falar sobre muita coisa, mas é repleta de brusca nostalgia e choramos sempre.


 Conto 9: Black Velvet Canadian Whiskey, História de uma Garrafa de Whisky