You have to ask yourself what brought the person to this point

sexta-feira, 22 de junho de 2012

was I? was I exact?


E não nos dizem todas as doutrinas que possuímos a incumbência de sermos ambiciosos? Eu sou tão, tão, tão ambiciosa. Certa vez tentei contrariar a irreversibilidade da vida. Não sabia eu mas fundamentalmente estava a contrariar o próprio propósito da palavra – irreversibilidade. É o meu outro problema com prefixos “i”. Sempre que se avistam os “i’s” é porque qualquer tentativa de infracção é, novamente, i-mpossivel. Mas como observas a minha ambição é desmesurada, incrível, demente. Tento fazer tantas mais coisas com este banal e mundano corpo que todo o universo cai em cima de mim, pela impossibilidade de tais acções. O mundo, afinal de contas, é meramente proporcional, eu sou aquela que está totalmente desfeada. As totalidades são formadas através de fragmentos mas os que me constituem são desconexos, desalinhados.
Recordo-me de ti em momentos de impossível repercussão. Sinto a tua falta em momentos de momentânea nostalgia. É tudo tão errado. Descontrole. O ser humano a falhar anuindo à tentação. Isolei-me do mundo, reservei as parcelas que não deslizaram e fugidias me escaparam dos dedos dissipando-se no mundo em meu redor. Estou disposta a enclaustrá-las dentro de mim. A minha terapeuta diz que é uma loucura, que não sou ambiciosa quando o tenciono fazer mas que sou ridícula. Puramente ridícula. Que as pessoas se perdem e evoluem – naquele sentido quimérico que eu dou à palavra, sabes? Racionalização: que a evolução é um processo de racionalização e de alteração, que repara ou te arrasta até um total retrocesso às origens simplórias da nossa existência. Tu tinhas o terrível hábito de ser bastante mais racional que eu. Eras escrupuloso e sistemático. E toda a minha presença residia neste plano grandioso de toda uma existência visivelmente proporcional, fui exacta?




conto 4: Ballantines, História de uma Garrafa de Whisky

sexta-feira, 15 de junho de 2012

-fuck it.


Seguiram-se três dias e só agora acabei de tomar o meu primeiro duche. O cabelo molhado espalha água pelas costas, que húmidas e escorregadias, vão permanecer assim até o roupão branco de algodão as secar. O Steve surge pouco tempo depois de mim e ainda molhado seca-se a uma toalha azul escura e procura a roupa lavada que o motorista lhe havia trazido no dia anterior após ter afirmado que se iria embora definitivamente, e na altura haviam já passado 2 dias. Agora foram três e ele ainda não partiu e a casa parece mais cheia e preenchida. Enrolo um charro e o seu olhar atento segue-me e o ouço-o suspirar e prosseguir.
            -Vou-me embora Leigh. Se fumo mais um desses já sei que só volto a sair e a vestir-me amanhã pela mesma hora.
            Sorrio sem despegar o olhar da mortalha e da erva.
            -Não. Estou a falar a sério. – diz-me. – Já sei como isto vai acabar. Vou ter mesmo de ir. Vem despedir-te de mim.
            -Não precisamos de nos despedir. – digo, passeando enquanto enrolo a mortalha em volta da erva – eu sei que vais voltar.
            -Não preciso voltar.
            -Não precisas mas vais.
            Colo as duas faces da mortalha e finalizando o charro acendo-o. Ele dá dois passos na minha direcção mas arrepende-se e recua.
            -De certeza que não queres? – sugiro, acenando o charro seguro entre os dedos. Ele suspira e olha de relance para a porta. Estudo a sua indumentária constituída sobretudo por peças Vitton.
            -Não, Leigh. Preciso mesmo de ir.
            Compreendo e aceno, dou uma passa, e fixo o olhar no seu. Preparo-me para que ele saia e tento imortalizar esta última ideia da sua silhueta junto à ombreira da porta, com o casaco ao ombro e o cabelo naturalmente despenteado. Torna-se desnecessário fazê-lo porque ele atira o sobretudo para o sofá e caminha na minha direcção com um sorriso convicto e com os dedos estendidos na direcção do cigarro de erva.
            -Que se lixe.


História de uma garrafa de whisky, conto 3: Jameson Irish Whisky 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

ela levita, quase fada.



Abro-lhe a porta e espero que ela entre. O cabelo é alourado, de um tom quase esbranquiçado, místico; os olhos são negros e têm um brilho distante, fora deste mundo. Digo-lhe que não abriria a porta a ninguém àquelas horas, mas que o cheiro dela me levara a fazê-lo. Ela não sorri e entra. Segura nas mãos um livro que está repleto de anotações feitas a lápis, juntamente com as frases sublinhadas das quais essas anotações resultam. Diz-me que ouvira falar de mim e do meu quarto e que o quis ver de perto. Eu peço-lhe que se dispa e ela fá-lo. O seu corpo é magro, mas não excessivamente, a pele é de um tom muito claro, desbotado, mas mundano. Quando me aproximo e a beijo, ela diz-me que os meus lábios sabem bem, que o sabor do whisky é evidente. Depois volta a vestir-se e arrasta-se até à varanda. Diz-me que a noite é diáfana vista dali e eu pergunto-lhe o que quer dizer com aquilo. Diz-me que não tem a certeza, que o meu quarto se assemelha a um sonho. E depois ficamos a olhar para a lua, durante horas e horas, até ela desaparecer, sem proferir uma única palavra.




História de uma Garrafa de Whisky, Conto 1: Jack Daniels