You have to ask yourself what brought the person to this point

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Jack, Let's Make Love

Estou com uma paciência de merda. Aliás, estou sem a mínima paciência. Acabei por dormir menos de meia hora porque a Ana se lembrou de raspar as unhas na porta do meu quarto como se fosse um gato ou o caralho. Não tenho paciência para essas merdas. Ainda tentei enterrar a cabeça na almofada mas depois de alguns minutos a tentar apercebi-me que não ia aguentar assim tanto tempo. É que, infelizmente, ainda só respiro pelo nariz e a boca. Bom, a situação encontra-se no ponto em que tenho de me por minimamente apresentável, tenho de ajudar a por a mesa, tarefa que habitualmente me cabe, mas que hoje não me apetece fazer e tenho de receber amavelmente o cabrão do Johnny e a puta da namorada dele. É deprimente, as coisas difíceis que uma gaja se vê forçada a fazer. Para melhorar esta situação da treta acabei de ouvir a porta e deve ser o Daddy, pela maneira como a fez bater, o dia deve-lhe ter corrido uma merda e eu, sinceramente, não tenho o caralho a ver com isso. O problema é que para o Daddy isso pouca importa.

-Boa noite. – não me apetece conversas chatas. – Boa noite! – se ele me obrigar a abrir a boca temos um caso muito fodido entre mãos – BOA NOITE! .....MAS QUE MERDA É QUE EU TE FIZ AGORA? – a verdade é que não fizeste nada, mas não tenho paciência para ti e tenho a leve sensação que ainda irás fazer.

-Hoje o Johnny e a nova namorada dele vem cá jantar – diz a Ana, que pelos vistos recuperou rápido da proeza de há algumas horas. Estou impressionada! O que é que a tipa fez?! Os olhos dela estão incrivelmente lúcidos.

-Hoje? – partilhamos desta satisfação interior.

-Opá Daddy não te ponhas com merdas agora. Sabes bem que o tipo vai trazer um porradão de cocaína e nós não queremos merda com o Johnny pois não?

-O Johnny que se vá foder. Eu quero é que ele e as putas das namoradinhas dele morram.

-Não sejas estúpido. Se não estivéssemos aqui a falar do Johnny eu até acreditava nessa treta. – O Ruben é capaz de ser um filho da puta ainda maior que o Johnny por isso não me admirava nada que realmente o quisesse morto. Este gajo até a mamã devia querer exterminar.

-Daddy, trata das coisas com a Patrícia, eu vou dormir um bocado porque estou com uma dor de cabeça horrível.

-Eu? Mas eu por acaso convidei alguns cabrões para virem cá jantar? Por mim esses tipos nem punham os pés cá em casa!

-Pois mas parecem que vão, portanto não faças merda! – e nisto bate com a porta. Provavelmente alguém vai jantar com um olho negro… e não sou eu.

-Mas o que é que lhe deu? –não lhe vou responder, estou a achar um piadão em embirrar um bocado com o fulano. – Foda-se, mas tu estás a ouvir o que eu te estou a dizer? Qual é que é a merda do teu problema? – se não estivesse a fingir de zangada desmanchava-me já a rir. Mas tenho uma imagem a manter. – RESPONDE-ME. –talvez sempre serei eu a ir jantar de olho negro. Isto se ele até estiver bem disposto. – EPÁ! CAMBADA DE ANORMAIS – e bate com a porta. Parece que resto eu e tu. Jack. Meu homem.


Por Patrícia em Nevermind (Cap. Rapariga procura garrafa de whisky para relacionamento sério) 2008

"Oh Christ" said the boy..."That year was something else!"

11 de Maio de 2000


Ela acorda, dói-lhe o estômago. Pensa na noite passada, sorri. Sente as pernas cansadas, o peito dormente, sente o cheiro dele por todo o corpo, mergulha no odor. Olha-se ao espelho, vê o rímel e o risco dos olhos a escorrer pela face. Arde-lhe a perna, observa, vê arranhões. Bastantes arranhões. Desce, come um iogurte, lava a cara, lava os dentes, arruma a mala. Põe os óculos e saí de casa.
Ele acorda. Tem o soutien ao pé, dói-lhe a cabeça. Dormiu poucas horas, tem de abrir a loja. Sente leves dores nas pernas e nos braços. Lava a cara, lava os dentes. Limpa a loja. Olha para o sofá e sorri. Guarda a roupa dela no quarto. Abre a loja.

Ela caminha, observa o sol, forte. Sente-o no estomâgo, na cabeça, na boca. Sente-se tonta. Continua a caminhar, chega à loja. Está aberta. Entra, não o vê. Espera. Ele aparece, ela sorri. É beijada. Ela pede a roupa. Ele diz que não dá. Ela sorri, beija-o. Combinam qualquer coisa e ela avança para a praia.
Ele atende três idosas, dá-lhes informações sobre fatos-de-banho vermelhos, elas estão atentas. Ele vai à arrecadação. Quando volta, encontra-a. Ela espera, com umas calças vermelhas e um biquini verde. Ele sorri. Beija-a. Ouve-a pedir a roupa. Diz que não pode, precisa dela, mais algum tempo. Vê-a sorrir e beija-a. Ela vai embora.

Ela chega à praia, as mesmas caras, as mesmas pessoas. Sente-se triste. Vai até ao mar, mergulha. Lava os restos de maquilhagem, de suor, do cheiro dele. Volta para a toalha, deita-se, pensa na noite passada. Começa a ser questionada sobre os arranhões, mente, sorri. Tem fome, vai para casa.

Ele não quer que ela vá, quer outra noite como a de ontem. Lamenta. Vê-a afastar-se. Continua a trabalhar. Começa a ter fome, vai almoçar. Volta para a loja e trabalha.

Ela chega a casa, sente-se cansada. Almoça e deita-se, acaba por adormecer. Sonha, sonha com alguma coisa. Acorda, já é tarde, ele ainda não disse nada. Caminha pela casa, sente o estomâgo dorido, sente a cabeça cansada e latejante. Pega na mala e saí.

Ele não vê hora para acabar o trabalho, quer ligar-lhe. Espera pelo amigo, está quase.

Ela vai a todos os cafés, quer um Redbull. Não há. Encontra um café que tem. Compra, caminha até à loja e bebe. Vê-o, fala com o amigo. Sorri. Ele olha para ela e sorri-lhe.

Chegou, ele não está sozinho. Agora pode sair com ela. Fala com ele, conta-lhe alguns pormenores da noite passada, eles riem alto, ambos. Ele vê-a chegar, sorri. Fala-lhe, diz-lhe para irem à praia.

Ela chega, fala-lhes. É convidada a ir à praia, aceita. Eles vão. Sentam-se, ele bebe um café, ela observa. Acabam, vão até à praia.

Começam por se dirigir ao café, a ideia é dele. Ele bebe, ela não. Ele fala, ela ouve. Vão até à praia.

Ela tem calor, corre para a água, despe as calças, mergulha, refresca-se, suspira. Corre para perto dele, que se encontra na areia, deitado. Deita-se ao seu lado. Ele olha-a. Ela sorri. Fecha os olhos. Encosta-se a ele. Não falam durante algum tempo. Deliram, imaginam e inventam coisas que sabem que nunca farão. Ela gosta tanto. Não consegue abrir os olhos. Ele abraça-a, ela sente-se confortável.

Ele está bem, ela tem calor. Ele não quer ir á agua, ela vai. Ele fica a observá-la. A sua sensualidade, no corpo, nas mãos, na cara. Quer que ela se deite. Sente-a molhada, beija-a. Ela fecha os olhos, ele senta-a encostar-se. Não falam. Ele parece gostar. Sente-a apertar. Aperta-a também.

Ela abre os olhos, vê os dele, tão perto. Sorri, beija-o. Sente as mãos dele pelo corpo, ela gosta. Fecha os olhos novamente encosta-se a ele. Gosta quando ele fica atrás dela, aquece-lhe o corpo. Fá-la sentir segura.

Ele olha para ela, ela acaba por fazer o mesmo. Ele vê os seus olhos, tão verdes, tão grandes, tão enigmáticos. Tentam dizer tantas coisas ao mesmo tempo. Sente os lábios dela. Toca-lhe no corpo, com as pontas dos dedos. Sente o relevo do peito, a barriga, o umbigo, sente as pernas, o pescoço macio. Ela fecha os olhos, parece gostar. Mexe-se, vira-se de costas e encaixa-se nele. Ele deixa, e aperta-a.

Ela pergunta se pode escrever sobre isto.

Ele olha-a com ternura, diz que sim. Diz que também irá escrever.



Retirado de O Ano de 2000 (11 de Maio de 2000)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

she came suddenly and silently

Homem (apenas voz):
Eu gosto de me afastar, de nadar até ao ponto mais fundo da piscina e observar as pessoas que dividem este espaço comigo.
(pausa)
Reparo no quanto somos parecidos dentro de água, as toucas, os fatos de banho, a pele molhada. Acabamos por nos tornar seres de pele análoga com modelos e colorações delimitados que reflectem a nossa personalidade e gostos pessoais.
(pausa)
São tantas as coisas que nos passam ao lado.
(pausa)
Mas a piscina nem sempre está assim.

Depois da avaliação à piscina o narrador olha para o restante edifício. Vemos as paredes do edifício, uma de vidro e as restantes opacas. Vemos o tecto. Há luzes bastante violentas situadas nas paredes laterais da piscina. No lado esquerdo, está uma espécie de arrecadação com os colchões, bolas e barbatanas para uso dos frequentadores da piscina. O narrador olha para a parede de vidro do lado direito e vê-se reflectido nela.


Homem (apenas voz):
Estou demasiado cansado para parecer atractivo.



Vemos a pista 2. Um professor a gritar com a rapariga dos olhos castanhos. Ela baixa a cabeça para se certificar que o nosso narrador não ouvira aquela repreensão desastrosa. Ele reparara, mas não lhe interessa.

Vemos um relógio na parede, um pouco acima da cena do professor e da aluna. Um zoom leva-nos ao relógio. O tempo passa devagar, os ponteiros movimentam-se em câmara lenta. Faltava ainda vinte minutos de natação.

Vemos a cara do narrador, cansado, um pouco irritado e aborrecido por ainda faltar tanto tempo. Vemo-lo levantar a cara e olhar perplexamente para o bar por cima da piscina. O nosso ângulo muda e conseguimos ver o bar da mesma perspectiva que o narrador. Vemos a rapariga dos anos 20. Cabelos loiros, caracóis, pelos ombros. Olhos azuis, claros, bonitos. Lábios muito vermelhos, como habitualmente e uma roupa bastante formal. Branca e justa. Com um cinto preto pouco abaixo do peito. Vemos um excesso de iluminação na face, para lhe dar um ar mais genuíno. Ela olha-o misteriosamente. Vemos o actor parado, paralisado a olhar para ela, só se ouve a sua respiração a aumentar.

O narrador relaxa os músculos e deixa-se cair até ao fundo da piscina, fecha os olhos para a visualizar melhor, isso é nos dado a entender pelas expressões faciais. Empurra o chão com os pés para voltar ao de cima. Enquanto desce, a música vai-se tornando mais fraca e fraca até que se deixa de ouvir. Apenas se visualizam alguns traços do seu corpo, mas com uma iluminação negra. Como se as luzes da piscina se tivessem apagado. Logo depois de o fazer e voltar à superfície apercebe-se que as luzes estão apagadas. Nada ilumina a piscina interior com excepção da lua. Os professores desapareceram, os frequentadores também. A música parou.

Temos uma visão escura de toda a piscina, vemos algumas partes da cara do actor devido à luz da lua que passa através da parede de vidro. Começamos a ouvir um som, uma melodia como que vinda do interior de um búzio. Ouvimos o coração do narrador a bater. Vemo-lo em pânico, totalmente desconfortável. Depois ouvimos um silêncio repentino e vemos o narrador agarrado às divisórias das pistas a nadar até à zona mais baixa da mesma.
Homem:
Heyy! (grita)
Está aqui alguém?


O tempo passa devagar. Vemos o relógio, pouco iluminado pela lua. Vemos o narrador, com a respiração demasiado ofegante, agarrado às divisórias da piscina. Vemos os seus pés no fundo da água, vemo-lo hesitar em pô-los no solo. Vemo-lo avançar e ao nadar rapidamente com medo, bater com um pé na escada da piscina.

Homem:Arghhh.
Merda!

Ouve-se a voz do narrador ecoar e percebe-se que ele se ouvia a si próprio. Ouvimo-lo gritar e bater com as mãos na superfície água. Ouvimos um segundo som. Alguém entra na água. A música Secret Garden – Dave Holland Quartet toca. Não vemos o que entra, apenas ouvimos. Uma nova respiração. Mais calma, mais delicada. Um pequeno chapinhar na água. Ouvimos o narrador gelar de medo. A sua respiração corta-se totalmente e ouvimos o coração a bater mais e mais. Não fala, não respira.

Homem (apenas voz):
E depois… senti qualquer coisa a crescer nos meus calções…
(pausa)
E outra a tentar tirarmos.

 
Por "Narrador" em Lábios Vermelhos (Guião)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HAPPY MONDAYS

-Patrícia! Patrícia! – acordo com o bater repetido e estrondoso na porta. Parece a Ana, parece chateada e nervosa. Isso normalmente traz-me dores de cabeça. – Patrícia caralho! Abre lá a porta. Temos de ir ter com o Johnny, lembraste? Eu avisei-te pá.


Olho para o relógio e vejo a quantidade exuberante de horas que dormi. Uma coisa assustadora. São duas da tarde e ainda nem almocei, sinto o estômago a desfalecer por causa do whisky, parece pesado e quente. Estou a suar por baixo deste fato de pele branca que uso diariamente, sei que pareço horrível e também sei que a Ana não me vai dar muito tempo para me despachar. Levanto-me a muito custo, sinto o corpo tão fraco e abro a porta devagar. Deixo-a entreaberta.

-Sim?

-Porra Patrícia, estavas a assustar-me. O que é que se passa?

-Nada. Estava a dormir.

-Txi, que bafo. Tiveste a beber outra vez?

-Não! – ela deita-me aquele olhar indignado que usa quando tem a certeza de uma coisa e sabe que a enganamos descaradamente. Estava sempre a fazê-lo com o Johnny.

-É, bebi qualquer coisa, Ru, bebi qualquer coisa.

-Oh Patrícia, pá. Vai-te vestir que temos de ir ter com o Johnny. – sinto-me feliz por passar livre disto. Quando a Ana se irrita a sério com alguma coisa chateia-me até à exaustão e, normalmente, eu sei que ela tem razão, de maneira que não a posso criticar. Debate-se perto da porta e vira-se para mim com um ar ameaçador e feliz. – Falamos disto depois.

Fecho a porta e suspiro pela minha má sorte. Acendo a luz e os meus olhos fecham-se num reflexo, magoados pela claridade. Saio do quarto e entro na casa de banho, tomo um duche de água fria e volto para o quarto onde visto um vestido justo e fresco. Volto para a sala e a Ana está sentada no sofá, a beber um sumo de frutos vermelhos que eu comprei para mim e que era antioxidante.

-Estou pronta. – digo com uma voz rouca e deprimida.

-Sim, sim. Vamos já.

-Porra, mas não disseste que já estávamos atrasadas?

-E estamos.

-E estamos? Eu estou pronta.

-Foda-se Patrícia. Come qualquer coisa, estou a acabar de ver isto na televisão.

Nem argumento. É o que eu digo, às vezes a tipa põe-se toda exaltadinha e eu é que tenho de me redimir. É assim. Se fosse com o Daddy a situação tornava-se mais feia.

-Ana?

-Fogo! O que é?

-Desculpa?

-O que é Patrícia? Estou a tentar ver a merda do programa.

-Ohhh… ainda há sumo desse?

-….

-Ana?

-Agora não.

-Ana?

-PORRA PATRÍCIA. AGORA NÃO. – estou decididamente ofendida e vou fazer os possíveis para o demonstrar. Ela não fala assim comigo. Bato com porta do frigorifico e ponho-me a lavar as mãos no lavatório, estou com uma intensa vontade de chorar, deve ter sido do whisky.

-Sim, o que é que querias à bocado? Estava a acabar de ver uma coisa na televisão. – não lhe vou responder. Esta idiota magoo-me. Já a avisei em relação ao mau temperamento dela. – Patrícia? Eu estava a acabar de ver o programa. O que é que me estavas a dizer?

-Já não interessa. Vamos embora.

-Mas diz lá.

-Não interessa.

-Oh pá… desculpa lá. Eu não queria gritar, mas estava concentrada naquilo e tu estavas só a chatear-me. O que é que querias, diz lá. – e nisto, estende-se e abraça-me. Pois, temos de admitir que ela tem um dom. É uma manipuladora como diz a minha avó.

-Bem… ainda há sumo desse?

-Não, eu bebi o resto.

-Mas o sumo era meu, caralho! – repelei-a com os braços.

-Teu? O sumo é nosso!

-Não! O sumo é meu… era!

-Desculpa? Tudo o que está nesta casa é partilhado. Inclusive a minha roupa. – O Daddy acabou de entrar e ficou a fitar-nos atentamente. – Isto é para ti também Daddy. – Ele olha confundido. – Porque é que eu tenho de aceitar que vocês usem as minhas roupas mas eu não posso beber a merda do teu sumo?

Ela tem razão. É o que eu digo, é uma manipuladora.

-Bem… podes. Tens razão, desculpa lá. Hoje não acordei a sentir-me muito bem.

-Vamos embora.

-Para onde é que vão? – pergunta o Daddy.

-Vamos a casa do Johnny. Logo trazemos-te qualquer coisa. Vai ao supermercado e compra vodka, que logo ficamos por cá.

-E whisky. – acrescento eu. Não curto muito vodka.

-Whisky? – pergunta ele.

-Sim, whisky.

-Porque whisky?

-Porque eu gosto. Não curto vodka.

-Tu curtes whisky, Ana? – ele fala monocórdica e suavemente. Ela olha intrigada.

-Sim.

-Eu também curto whisky… - conclui ele.

-Compra Jack ou então Johnny Black.

-Jack?

-Jack Daniels.

-Curtes Jack Daniels, Ana?

-Mas o que é que isso interessa? – digo eu. Já me estou a irritar com a anormalidade deste tipo. Ele deita-me um olhar zangado e critico.

-Sim, curto. Vá Daddy, compra isso. Até logo. Faz qualquer coisa para o jantar. Anda Patrícia. Ah, olha… vou levar o teu carro, ok?

Antes de sair deito-lhe um olhar mortífero. Não tenho paciência para as cenas dele. É que gosta mesmo de chatear as pessoas. Entramos dentro do carro do Daddy, vai a Ana a conduzir, eu vou ao lado. Abro o porta luvas e procuro o objecto do meu desejo. Ah, Gordon’s, uma garrafa cheia.

-Para que é isso? – pergunta a Ana, prestes a criticar o meu mau hábito de beber.

-Para levarmos para casa do Johnny. Sabes bem que temos de amansar o tipo. Se lá aparecermos de mãos a abanar ele não vai achar nada simpático e é bem capaz de o dizer.

-Sim, sim. Tens razão. Levamos isso. Depois compramos outra para o Daddy.

Ponho o Peel Sessions dos Joy Division e durante a viagem de carro vamos a acompanhar a voz do Ian na música Shes Lost Control.



She said I've lost control again.
And she screamed out kicking on her side and said,
I've lost control again.
And seized up on the floor, I thought she'd die.
She said I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.


Por Patrícia em Nevermind (Cap. Na narina direita...) 2008

Little tongues, black tongues, gold and dauby tongues

Acordo num quarto falazmente escuro. No meu quarto. A Nancy dorme ao meu lado, desfalecida. Perdida num sonho de coca. Nancyyyy. Salto para o chão e sinto os meus pés flutuar, em oposto ao peso exagerado do meu corpo, que se apresenta como um verdadeiro empecilho aos movimentos mais ligeiros. Procuro a máquina. Ajusto a lente, conformo a luz e fotografo-a em vários ângulos criando – quase - ilusórios panoramas. Acendo um cigarro e vou descalça até à sala de revelações. Filtros vermelhos, delicioso. Revelo as fotografias e sinto-me tentada a voltar para o quarto e a possui-la uma vez mais, ao ver o seu corpo mutilado e ensanguentado, exausto, em cima daqueles lençóis sujos. As fotografias assemelham-se demasiado com as outras peças que possuo. A Nancy apesar de tudo não contém nada de incrível. Aborrecida. Torna-se aborrecida.


Vou até à cozinha, seguida pelos sons riscados das lâmpadas fracas que piscam continuamente. A luz é tão fraca que acaba por se tornar corriqueira e dá à minha cozinha descuidada um aspecto underground. A carne estragada no lava-louças emana um cheiro incrivelmente decomposto. Aproximo-me e noto a escuridão que esta foi adquirindo. Controlo o estômago mas um jacto de vómito atinge a carne em cheio e o cheiro torna-se duplamente intenso. Arrasto os pés até ao quarto e espero adormecer novamente. Mas o meu corpo entra em suores e convulsões indesejáveis e vejo-me a acordar repetidamente pela noite. Recordo, dos curtos momentos acordada, leves memórias fortes e incomuns dos sonhos por onde viajei e incomoda-me a nitidez de um deles em especial. E eu acordo, uma vez mais. Os cabelos emaranhados, o corpo suado e as dores internas dos órgãos a desfazerem-se. E a imagem distorcida desta rapariga de longos cabelos loiros e pele branca, o modo imbecil com que aparece retratada nos meus sonhos, a decência dos seus movimentos, a imaculabilidade dos cenários em que é inserida, o seu aspecto. E nunca me consigo recordar do seu nome, do nome que ela profere vezes seguidas, continuamente. O seu nome…. O mutante que vive aprisionado com a sua doença – algo que não o deixa, que progride, se desenvolve, cresce, germina. Na cabeça, pelas veias, nas zonas mais deformadas do seu corpo. E a mulher do mutante vai à casa de banho, abre as pernas e do sexo caem-lhe rosas, vísceras e órgãos. Depois o corpo incendeia-se e em plena combustão ela esquece-se de onde pertence, enquanto sente o corpo prospender de si mesmo.

Por Alicia em As duas invenções do pornógrafo Loy

I feel bored, life is boring, man is an unsatisfied being

Recentemente vi-me sozinho num quarto, num espaço fechado que não havia penetrado antes. O cheiro que nele perdurava, as tonalidades que nele eram pintadas, a forma irregular dos espaços. Deixei-me ficar e não precisei de cocaína nessa noite. A harmonia por si só estava dispersa no ar. De manhã cedo, ao romper do sol olhei em volta e apercebi-me que se tratava do meu quarto impecavelmente limpo e arrumado. A minha mãe chegara de viagem e mandara limpar toda a casa, inclusive o meu quarto. Não suportei a luz do sol e o cheiro novo e familiar que voltava a entrar e, portanto, fiz duas linhas grossas e cheirei-as. O cheiro parecia não se extinguir. Abri uma das reservas de Jim Bean e bebi um quarto da garrafa de uma vez. Liguei o estéreo no máximo e pus a tocar a Heroin dos Velvet Underground. O quarto pareceu incrivelmente brilhante e lúcido. Os cheiros, as formas habituais evaporaram-se pela porta encostada. Pousei a nuca na almofada e deixei os olhos fecharem-se progressivamente. O whisky e a cocaína fluíam e espalhavam-se dentro de mim, tão docemente, tão dominantemente. E adormeci, naquilo que deixou de me parecer o meu quarto. E dormi tão bem, Leigh, dormi tão bem.


Por Simon para Leigh em Empty Divisions

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Dóceis Criaturas serão sempre dóceis criaturas

-Gostas de ler, é? – diz um tipo, já nos seus cinquenta e tal, com um ar completamente nojento, que observa a Ana. O modo como o disse foi desprezível. Olho para trás para ver a cena melhor, embora as imagens me pareçam meio distorcidas. Ela nem tirou o nariz do livro e mantém um ar estático e sério.


-Sim? Sim? Gostas de ler? – e desata a rir maniacamente acompanhado por um outro velho, igualmente asqueroso. Ela lambe a ponta do dedo calmamente e dobra a extremidade da página, serena. Fecha o livro e coloca-o em cima da mesa sem tirar a expressão séria e zangada da cara. Continua a franzir as sobrancelhas o que foi mais que suficiente para os tipos perceberam que, agora, era tarde de mais para arrependimentos. Ela pega na cerveja alta e bebe-a de seguida, rapidíssimo. É a primeira vez que a vejo fazer isto, principalmente porque sei que não gosta de cerveja. Assim que engole, bate com o copo estrondosamente na mesa. Fita-o.

-Mas é o quê caralho! – grita ela. - Tou a falar contigo ó badamerdas!!

O gajo encolhe-se e tira aquele ar de gozo da cara. Ela está a fazer um ar de maluca do caraças. Os barmans param todos e olham para ela. O Fritz e o amigo dele viram-se para trás e até o Darwin lá fora olha para dentro. Só a Nipple e a Anita é que olham para a cena e se desmancharam a rir que nem umas malucas. A Ana levanta-se espalhafatosamente e empurra a cadeira nesse movimento impressionista.

-Puta que te pariu. – e revira os olhos – Estou mesmo a ver que hoje não saio daqui sem haver merda, foda-se.

-Epá, tem lá calma. – diz o gajo, já meio assustado. Há tipas malucas nos bares.

-É O QUÊ? É O QUÊ? – diz ela, expressando pura raiva.

-Epá nada! – diz ele e encolhe-se.

-HUM? HUM? É confusão? É confusão, caralho? – bem… pela cara dele dá para perceber que se está a cagar de medo. Está sério como tudo e começa a andar para trás, mais numa de fugir do que na defensiva. Ela faz uns movimentos bruscos. As pessoas olham todas para ela. Está tudo com uma cara de espanto e certo receio. Estão todos a procurar um motivo para bater no velho.

-Porra! Foda-se! – e nisto, atira-se para a cadeira perdida em risos. – Patrícia! Patrícia! Vem cá ver isto, pá! Anda cá rápido!!!

Olhei para ela e vi como se divertia com a própria representação, que tenho de afirmar que foi excelente, nem eu fazia melhor que aquilo. Viro as costas para o cenário e peço uma bebida. Quero fingir que não a conheço por uns minutos. As pessoas lá fora vão voltando aos seus estados normais e retomam as conversas antes iniciadas. O Darwin entra e parece preocupado com a Ana.

 
Patricia em Nevermind (Dóceis Criaturas-cap.8) 2008