You have to ask yourself what brought the person to this point

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Little tongues, black tongues, gold and dauby tongues

Acordo num quarto falazmente escuro. No meu quarto. A Nancy dorme ao meu lado, desfalecida. Perdida num sonho de coca. Nancyyyy. Salto para o chão e sinto os meus pés flutuar, em oposto ao peso exagerado do meu corpo, que se apresenta como um verdadeiro empecilho aos movimentos mais ligeiros. Procuro a máquina. Ajusto a lente, conformo a luz e fotografo-a em vários ângulos criando – quase - ilusórios panoramas. Acendo um cigarro e vou descalça até à sala de revelações. Filtros vermelhos, delicioso. Revelo as fotografias e sinto-me tentada a voltar para o quarto e a possui-la uma vez mais, ao ver o seu corpo mutilado e ensanguentado, exausto, em cima daqueles lençóis sujos. As fotografias assemelham-se demasiado com as outras peças que possuo. A Nancy apesar de tudo não contém nada de incrível. Aborrecida. Torna-se aborrecida.


Vou até à cozinha, seguida pelos sons riscados das lâmpadas fracas que piscam continuamente. A luz é tão fraca que acaba por se tornar corriqueira e dá à minha cozinha descuidada um aspecto underground. A carne estragada no lava-louças emana um cheiro incrivelmente decomposto. Aproximo-me e noto a escuridão que esta foi adquirindo. Controlo o estômago mas um jacto de vómito atinge a carne em cheio e o cheiro torna-se duplamente intenso. Arrasto os pés até ao quarto e espero adormecer novamente. Mas o meu corpo entra em suores e convulsões indesejáveis e vejo-me a acordar repetidamente pela noite. Recordo, dos curtos momentos acordada, leves memórias fortes e incomuns dos sonhos por onde viajei e incomoda-me a nitidez de um deles em especial. E eu acordo, uma vez mais. Os cabelos emaranhados, o corpo suado e as dores internas dos órgãos a desfazerem-se. E a imagem distorcida desta rapariga de longos cabelos loiros e pele branca, o modo imbecil com que aparece retratada nos meus sonhos, a decência dos seus movimentos, a imaculabilidade dos cenários em que é inserida, o seu aspecto. E nunca me consigo recordar do seu nome, do nome que ela profere vezes seguidas, continuamente. O seu nome…. O mutante que vive aprisionado com a sua doença – algo que não o deixa, que progride, se desenvolve, cresce, germina. Na cabeça, pelas veias, nas zonas mais deformadas do seu corpo. E a mulher do mutante vai à casa de banho, abre as pernas e do sexo caem-lhe rosas, vísceras e órgãos. Depois o corpo incendeia-se e em plena combustão ela esquece-se de onde pertence, enquanto sente o corpo prospender de si mesmo.

Por Alicia em As duas invenções do pornógrafo Loy

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