You have to ask yourself what brought the person to this point

domingo, 9 de dezembro de 2012

what a lady


era à noite, já tardia, quando Megan adormecia depois de fazerem amor exasperadas que Amber fugia do ninho e se esquivava para um local secreto, profundo e sombrio, entre a alma e o desejo, onde se entregava a si própria, aquela que sentia outras coisas e que não tinha a capacidade de fingir. Compreendia que se enganava, em parte a si mesma, mas outro seu lado não estava enganado e gostava. Gostava de Megan e do que representava estarem juntas e amarem-se uma à outra daquela forma, fazerem amor daquela forma, andarem de Alfa, bronzearem as pernas e ouvirem jazz daquela forma. O mundo parava e não se lembrava tanto, só que por vezes, era inevitável, e a rotina fazia-a recordar ainda mais. Era uma parte de si que estava enterrada num sítio ilegítimo, fazia-a vacilar e era só nesses momentos, quando a amante adormecia, que ela conseguia rastejar para fora da cama, na sua independência e procurava o espaço que era seu, o desejo que a consumia, a saudade que já não era mera recordação, a folha do papel onde escrevia, onde queria escrever, a cassete de jazz que era só sua e esquecia. Esquecia quem era, onde estava, porque ali estava, esquecia a nova Amber, a que queria ficar e queria amar a sua gémea e voltava a querê-lo a ele. Queria-o a ele e não desejava mais nada.
-Consegues ver-nos? – perguntou-lhe Megan.
-Sim. E tu? Consegues ver-me?
-Já só nos vejo a nós. Somos a senhora mais elegante do mundo, sabias?
Amber riu-se.
-Sim. Eu sei.
Megan beijou-lhe os olhos e depois a boca e murmurou:
-Esta casa nunca mais vai ser a mesma coisa, nunca mais vou conseguir deixar de ouvir esta música e cheirar o teu corpo, a tua pele, beijar-te os olhos.
-Não me vou embora.
-Não estou a dizer que vais. Estou a fazer uma coisa diferente, estou a imortalizar-nos. Isto já não vai sair da minha casa nunca mais. – beijou-a novamente – amo-te.


Conto 10: Glenmorangie, História de uma Garrafa de Whisky

sábado, 1 de dezembro de 2012

sorria, tentadora.



O quarto era tomado por uma escuridão pálida e a luz esbranquiçada que provinha do exterior tornava-se mais fosca e, subitamente, a penumbra transforma-se em imensidão azul. Só assim se viam os dois corpos traçados por riscas de cores variadas, muito despreocupadamente pintadas, as palmas das mãos carimbadas pelo corpo em tinta invisível, o rasto que perdurava, a fragrância,  a mais voluptuosa, o sentido que não desaparecia, nos corpos dos dois seres, pelas paredes, o cheiro que impregnava e o brilho riscado e mesclado de um universo e de uma percepção  que não seria possível de entender na imensidão do negrume da escuridão. Pelo tecto, sorria, tentadora, o sinal pouco implícito de uma seta que atravessava o estuque pérola da parede em direcção aos corpos sem que estes se apercebessem, descia subtilmente e ia-se instalar sobre a pele, junto aos sexos, a provocar uma pressão desmesurada, a potenciar um desejo cada vez mais progressivo. Amber acordava e agarrava os seios com as mãos, sentia um calor inevitável que se ia intensificando e subindo para se transformar num aperto na garganta, profundo, mas existente, que não a deixava respirar, que lhe aquecia o corpo e a palma das mãos e quando dava por si, esfregava-se no corpo de Megan, incansavelmente, e esta acordava e saciava-a, com amor e ternura, mas sem animalidade feminina. Uma loira sobre a outra, os cabelos da cor do trigo entrelaçados pela fricção dos corpos, os olhos dementes, a fundirem-se, como se a união dos sexos e do suor que pingava um sobre o outro fosse transcendental. Dois demônios a respirarem o mesmo ar, a beberem da mesma saliva e a seta lá no meio, a fazer coacção para que aquilo não parasse e não parava.

-Esta luz está dentro do quarto, a ver de dentro para fora. Consegues vê-la? Só de dentro para fora. Um sitiozinho escondido. - 
proferiu Megan e Amber sorriu e levantou-se.

 

Conto 10: Glenmorangie, História de uma Garrafa de Whisky