You have to ask yourself what brought the person to this point

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HAPPY MONDAYS

-Patrícia! Patrícia! – acordo com o bater repetido e estrondoso na porta. Parece a Ana, parece chateada e nervosa. Isso normalmente traz-me dores de cabeça. – Patrícia caralho! Abre lá a porta. Temos de ir ter com o Johnny, lembraste? Eu avisei-te pá.


Olho para o relógio e vejo a quantidade exuberante de horas que dormi. Uma coisa assustadora. São duas da tarde e ainda nem almocei, sinto o estômago a desfalecer por causa do whisky, parece pesado e quente. Estou a suar por baixo deste fato de pele branca que uso diariamente, sei que pareço horrível e também sei que a Ana não me vai dar muito tempo para me despachar. Levanto-me a muito custo, sinto o corpo tão fraco e abro a porta devagar. Deixo-a entreaberta.

-Sim?

-Porra Patrícia, estavas a assustar-me. O que é que se passa?

-Nada. Estava a dormir.

-Txi, que bafo. Tiveste a beber outra vez?

-Não! – ela deita-me aquele olhar indignado que usa quando tem a certeza de uma coisa e sabe que a enganamos descaradamente. Estava sempre a fazê-lo com o Johnny.

-É, bebi qualquer coisa, Ru, bebi qualquer coisa.

-Oh Patrícia, pá. Vai-te vestir que temos de ir ter com o Johnny. – sinto-me feliz por passar livre disto. Quando a Ana se irrita a sério com alguma coisa chateia-me até à exaustão e, normalmente, eu sei que ela tem razão, de maneira que não a posso criticar. Debate-se perto da porta e vira-se para mim com um ar ameaçador e feliz. – Falamos disto depois.

Fecho a porta e suspiro pela minha má sorte. Acendo a luz e os meus olhos fecham-se num reflexo, magoados pela claridade. Saio do quarto e entro na casa de banho, tomo um duche de água fria e volto para o quarto onde visto um vestido justo e fresco. Volto para a sala e a Ana está sentada no sofá, a beber um sumo de frutos vermelhos que eu comprei para mim e que era antioxidante.

-Estou pronta. – digo com uma voz rouca e deprimida.

-Sim, sim. Vamos já.

-Porra, mas não disseste que já estávamos atrasadas?

-E estamos.

-E estamos? Eu estou pronta.

-Foda-se Patrícia. Come qualquer coisa, estou a acabar de ver isto na televisão.

Nem argumento. É o que eu digo, às vezes a tipa põe-se toda exaltadinha e eu é que tenho de me redimir. É assim. Se fosse com o Daddy a situação tornava-se mais feia.

-Ana?

-Fogo! O que é?

-Desculpa?

-O que é Patrícia? Estou a tentar ver a merda do programa.

-Ohhh… ainda há sumo desse?

-….

-Ana?

-Agora não.

-Ana?

-PORRA PATRÍCIA. AGORA NÃO. – estou decididamente ofendida e vou fazer os possíveis para o demonstrar. Ela não fala assim comigo. Bato com porta do frigorifico e ponho-me a lavar as mãos no lavatório, estou com uma intensa vontade de chorar, deve ter sido do whisky.

-Sim, o que é que querias à bocado? Estava a acabar de ver uma coisa na televisão. – não lhe vou responder. Esta idiota magoo-me. Já a avisei em relação ao mau temperamento dela. – Patrícia? Eu estava a acabar de ver o programa. O que é que me estavas a dizer?

-Já não interessa. Vamos embora.

-Mas diz lá.

-Não interessa.

-Oh pá… desculpa lá. Eu não queria gritar, mas estava concentrada naquilo e tu estavas só a chatear-me. O que é que querias, diz lá. – e nisto, estende-se e abraça-me. Pois, temos de admitir que ela tem um dom. É uma manipuladora como diz a minha avó.

-Bem… ainda há sumo desse?

-Não, eu bebi o resto.

-Mas o sumo era meu, caralho! – repelei-a com os braços.

-Teu? O sumo é nosso!

-Não! O sumo é meu… era!

-Desculpa? Tudo o que está nesta casa é partilhado. Inclusive a minha roupa. – O Daddy acabou de entrar e ficou a fitar-nos atentamente. – Isto é para ti também Daddy. – Ele olha confundido. – Porque é que eu tenho de aceitar que vocês usem as minhas roupas mas eu não posso beber a merda do teu sumo?

Ela tem razão. É o que eu digo, é uma manipuladora.

-Bem… podes. Tens razão, desculpa lá. Hoje não acordei a sentir-me muito bem.

-Vamos embora.

-Para onde é que vão? – pergunta o Daddy.

-Vamos a casa do Johnny. Logo trazemos-te qualquer coisa. Vai ao supermercado e compra vodka, que logo ficamos por cá.

-E whisky. – acrescento eu. Não curto muito vodka.

-Whisky? – pergunta ele.

-Sim, whisky.

-Porque whisky?

-Porque eu gosto. Não curto vodka.

-Tu curtes whisky, Ana? – ele fala monocórdica e suavemente. Ela olha intrigada.

-Sim.

-Eu também curto whisky… - conclui ele.

-Compra Jack ou então Johnny Black.

-Jack?

-Jack Daniels.

-Curtes Jack Daniels, Ana?

-Mas o que é que isso interessa? – digo eu. Já me estou a irritar com a anormalidade deste tipo. Ele deita-me um olhar zangado e critico.

-Sim, curto. Vá Daddy, compra isso. Até logo. Faz qualquer coisa para o jantar. Anda Patrícia. Ah, olha… vou levar o teu carro, ok?

Antes de sair deito-lhe um olhar mortífero. Não tenho paciência para as cenas dele. É que gosta mesmo de chatear as pessoas. Entramos dentro do carro do Daddy, vai a Ana a conduzir, eu vou ao lado. Abro o porta luvas e procuro o objecto do meu desejo. Ah, Gordon’s, uma garrafa cheia.

-Para que é isso? – pergunta a Ana, prestes a criticar o meu mau hábito de beber.

-Para levarmos para casa do Johnny. Sabes bem que temos de amansar o tipo. Se lá aparecermos de mãos a abanar ele não vai achar nada simpático e é bem capaz de o dizer.

-Sim, sim. Tens razão. Levamos isso. Depois compramos outra para o Daddy.

Ponho o Peel Sessions dos Joy Division e durante a viagem de carro vamos a acompanhar a voz do Ian na música Shes Lost Control.



She said I've lost control again.
And she screamed out kicking on her side and said,
I've lost control again.
And seized up on the floor, I thought she'd die.
She said I've lost control.
She's lost control again.
She's lost control.
She's lost control again.
She's lost control.


Por Patrícia em Nevermind (Cap. Na narina direita...) 2008

1 comentário:

  1. Estou, a falta de outra palavra, parvo, estupefacto, com a qualidade dos teus textos e ensaios. São crus e totalmente despidos de tabus ou preconceitos. Totalmente magnéticos tal e qual como tu...
    Beijo
    Rui

    ResponderEliminar