Cheirou-lhe a café
e olhou para a cozinha, mas não estava lá ninguém, a sua mente começara a
fabricar o odor em devaneio. Olhou em redor e substituiu os ares da casa pelos
de há uns anos atrás, transportou-se para uma noite, quatro anos antes, e viu
Jane regressar com duas chávenas quentes na mão.
-Era mesmo disto
que estava a precisar. – disse ele.
-Se continuas a
beber café dessa forma, vou ter de me apaixonar por ti.
-Apaixonas-te
sempre por homens que bebem muito café?
-Primeiro provas,
depois provas novamente, depois ficas louca.
-Sabe-te sempre ao
mesmo?
-É café, mas não
sabe sempre ao mesmo.
-E os cigarros?
-Só tornam a vida
mais interessante. Sem cigarros, isto era tudo cinzento.
-E quando
deixarmos de fumar?
-Vamos arranjar
outra coisa qualquer para levar com as culpas.
-Acho-te muito sábia
para uma rapariga.
-Sou uma pessoa
sensata. E percebo as coisas.
-As coisas?
-As coisas todas.
O teu café é especial e mais não te posso dizer.
-Não gosto de
ficar a pensar demasiado nas coisas.
-Porque ficarias?
Estamos só a falar de café.
James riu-se, olhou-a
uma vez, voltou a olhar para ela e depois corou.
-Tens que aprender
a ser subtil.
-Eu já sou subtil.
-Isso é o que tu
achas. Não há descrição em ti, leio-te as intenções todas.
Ele recostou-se no
sofá e ficou a observá-la, era misticamente bela.
-Chateia-te?
-De forma nenhuma.
Até acho querido, quereres dizer e não dizeres.
-Mas não dirás
isso para sempre.
-Conto que não o
farás para sempre.
-Talvez não. Mas
talvez fizesse. E então? Deixaria de ser querido?
-Passaria a ser um
problema.
-Talvez passasse.
Como lidas com problemas dessa natureza?
Jane recostou-se
no sofá, levou a chávena à boca e, em seguida, deu um bafo no cigarro. Expirou
o fumo e disse:
-Normalmente
recosto-me, bebo um café e fumo um cigarro.
-E o problema?
Jane agitou a mão
no ar, apontando para ele:
-Esparramado assim
à minha frente.
-Que problema
tonto.
-Como a maioria
deles todos.
-Acho que tens
razão, mas devo advertir-te: eu sou um homem problemático. Caótico.
Jane olhou para o
ar e encostou a mão à cabeça, parecia absorta nalgo mágico.
-As pessoas
arranjam medos esquisitos.
-Acho que
arranjam. Uma vez conheci uma pessoa que tinha medo de barrigas.
-Isso não é nada!
Uma vez conheci uma pessoa que tinha medo dela própria.
-Isso é terrível.
-É, não é?
-Como é que se
salvou?
-Ainda é cedo para
dizer. Daqui a uns anos conversamos sobre isto.
Inércia, 2014
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