-Porque é que me
mandas fechar os olhos?
-Porque acho que
vais aprender a ver melhor quando o souberes fazer.
-Mas não é paz que
tu me queres dar.
Cara olhou para
ele.
-Pois não, mas
devias tentar ter algum tipo de paz com essa tua despersonalização.
-Não podem ser
três ao mesmo tempo.
-Ora! – exclamou
ela, de olhos arregalados – Também não pode ser só um. Deixa as vozes falarem,
talvez algumas tenham coisas mais interessantes para dizer do que tu.
-Sinto uma
estranheza desconcertante quando dizes isso. É como se não estivéssemos a falar
de mim.
-E não estamos
sempre. – Cara inclinou-se para o parapeito, ostentava uma postura física solta
e ameninada. – Mas não quero que te sintas estranho no teu próprio parque.
James lembrou-se
do primeiro dia em que a viu, o cabelo cortado ao nível do pescoço a
balançar-se no ar frio do parque, tinha olhos azuis e soava deliciosa.
-Pensava que tinha
sido essa a premissa com que nos tínhamos conhecido.
-É sempre tudo
como nós queremos que seja. Agora, isto diz-nos demasiado, a ti e a mim.
James olhou para
longe e evitou fixá-la. Ela continuou:
-Se deixares de cá
vir, vais sentir uma falta terrível de qualquer coisa.
Ele mordeu a
língua e fechou os olhos, sabia ao que ela se referia.
-De ti?
-Já achas que vais
sentir saudades minhas?
-Não sei. – Ele abriu
os olhos e a primeira coisa que viu foi uma imensidão azul apoderar-se dele –
Eu gosto de falar contigo.
-É uma
corroboração?
-É um facto.
-É só um facto?
-Que queres mais
que seja?
-Uma proposta. Ou
melhor, uma confissão.
James olhou para
ela e viu dois olhos azuis a implorarem para brincar. Veio-lhe à cabeça uma
imagem do gato, depois de Jane e, de seguida, olhou para as mãos, compridas e
elegantes, impróprias de um homem e sentiu-se completo.
-Tu não me vês
como eu sou, vês-me como me queres ver.
-Ora, também tu.
James fixou-a.
-Não. Eu só não
quero ver mais nada.
Cara acendeu um
cigarro e ele ouviu-o ser fumado, pouco a pouco. Instaurou-se um silêncio que
em muito era agradável. Um casal passou de mãos dadas, ouviram-se os passos
silenciosos a descolar do chão e Cara disse, como se tivesse estado a suster as
palavras:
-Eu quero
ajudar-te.
-Porquê?
-É uma necessidade
tonta de fazer felizes os homens que não me são nada.
-É só porque não
te são nada e não os conheces verdadeiramente?
-É só porque os
idealizo. – James viu-lhe um brilho específico nos olhos, que normalmente antecedia
a lágrimas – Estou apaixonada por uma idealização romântica de ti.
Ele tirou um
cigarro do bolso e sentiu um arrepio agonizante gelar-lhe o corpo. Era curioso
porque, em simultâneo, sentia prazer com aquilo.
-Não devias
imaginar tanto.
Inércia, 2014
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