You have to ask yourself what brought the person to this point

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

É tudo muito estranho. As coisas ou são enormes ou muito pequenas.

-Porque é que me mandas fechar os olhos?
-Porque acho que vais aprender a ver melhor quando o souberes fazer.
-Mas não é paz que tu me queres dar.
Cara olhou para ele.
-Pois não, mas devias tentar ter algum tipo de paz com essa tua despersonalização.
-Não podem ser três ao mesmo tempo.
-Ora! – exclamou ela, de olhos arregalados – Também não pode ser só um. Deixa as vozes falarem, talvez algumas tenham coisas mais interessantes para dizer do que tu.
-Sinto uma estranheza desconcertante quando dizes isso. É como se não estivéssemos a falar de mim.
-E não estamos sempre. – Cara inclinou-se para o parapeito, ostentava uma postura física solta e ameninada. – Mas não quero que te sintas estranho no teu próprio parque.
James lembrou-se do primeiro dia em que a viu, o cabelo cortado ao nível do pescoço a balançar-se no ar frio do parque, tinha olhos azuis e soava deliciosa.
-Pensava que tinha sido essa a premissa com que nos tínhamos conhecido.
-É sempre tudo como nós queremos que seja. Agora, isto diz-nos demasiado, a ti e a mim.
James olhou para longe e evitou fixá-la. Ela continuou:
-Se deixares de cá vir, vais sentir uma falta terrível de qualquer coisa.
Ele mordeu a língua e fechou os olhos, sabia ao que ela se referia.
-De ti?
-Já achas que vais sentir saudades minhas?
-Não sei. – Ele abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi uma imensidão azul apoderar-se dele – Eu gosto de falar contigo.
-É uma corroboração?
-É um facto.
-É só um facto?
-Que queres mais que seja?
-Uma proposta. Ou melhor, uma confissão.
James olhou para ela e viu dois olhos azuis a implorarem para brincar. Veio-lhe à cabeça uma imagem do gato, depois de Jane e, de seguida, olhou para as mãos, compridas e elegantes, impróprias de um homem e sentiu-se completo.
-Tu não me vês como eu sou, vês-me como me queres ver.
-Ora, também tu.
James fixou-a.
-Não. Eu só não quero ver mais nada.
Cara acendeu um cigarro e ele ouviu-o ser fumado, pouco a pouco. Instaurou-se um silêncio que em muito era agradável. Um casal passou de mãos dadas, ouviram-se os passos silenciosos a descolar do chão e Cara disse, como se tivesse estado a suster as palavras:
-Eu quero ajudar-te.
-Porquê?
-É uma necessidade tonta de fazer felizes os homens que não me são nada.
-É só porque não te são nada e não os conheces verdadeiramente?
-É só porque os idealizo. – James viu-lhe um brilho específico nos olhos, que normalmente antecedia a lágrimas – Estou apaixonada por uma idealização romântica de ti.
Ele tirou um cigarro do bolso e sentiu um arrepio agonizante gelar-lhe o corpo. Era curioso porque, em simultâneo, sentia prazer com aquilo.

-Não devias imaginar tanto. 

Inércia, 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário