Atravessa-lhe o pensamento com
rapidez a sequência de ocorrências que tomaram lugar na noite anterior e
incomodado pela presença realista que o taxista lhe tem na mente, Joan volta-se
de costas para Sarah e esconde as mãos debaixo da almofada, de olhar fixo no
chão, paralisado pela revivência de sensações que precisa recordar, na amnésia
alcoólica do seu delírio passado. Os olhos inebriantes do homem bloqueiam-no
num momento irreal de avaliação em que o peso do seu erro para atingir o auge,
Sarah não existe neste sonho e não faz sentido que ela se exteriorize, Crystal
está apenas presente em forma idealista: um cheiro, um sabor, um toque, uma
ideia abstracta de sedução. Joan cerra os olhos e força-os a cerrarem-se mais
nesta incapacidade em observar. O coração acelera-se-lhe tremendamente no peito
e uma distância irreal afastam-no da realidade perceptível. Escuta-se
exclusivamente a si mesmo no centro daquele desenfreado dessincronizado e pensa
em como uma coisa tão mundana quanto uma mulher bonita lhe veio destruir a paz.
Os olhos do taxista são de tal forma maléficos que voltam para o penumbrar e,
surgindo no canto do quarto, espreitam-no em afirmada presença, os olhos a que
nada escapa, “deixe-me olhar melhor para si, homem”, ouve-os dizer.
O suor desliza-lhe indiferente
pelo peito, gotícula abundante atrás de gotícula abundante, o som de um relógio
escuta-se longínquo na cozinha, aquela sempre presença do tempo que passa e que
o aterroriza, os dois olhos que percorrem as paredes ínfimas do quarto, são tão
flexíveis quanto duas pernas porque se fazem entender em diversos pontos distintos.
-O senhor precisa de descansar,
não lhe faz bem apaixonar-se por uma rapariga dessas que se alimenta da sua
alma. – ouve o homem dizer, na sua voz mais confessional, paternalista e
trocista, o homem não quer verdadeiramente saber dele, só está ali presente ao
canto do quarto para o assombrar, quer rir-se dele, o artista que perde o
controle do seu rumo.
-O senhor vá dormir e tente
compreendê-la! Faça o que fizer já é muito tarde, a criatura já se lhe apoderou
do corpo. Agora o máximo que pode fazer é dar-lhe um dedinho, animais como ela
já se contentam com um dedinho…mas tenha cuidado! Só tem vinte dedinhos e vinte
vezes acontecem muito rápido, é só duplicar as dez, quadruplicar as cinco, você
sabe do que é que eu falo….
O pijama da Gata