Caminham delicadamente, já noutro local mais sóbrio e diáfano
que o anterior onde a recordação se prende no devorar de um fruto vermelho
que lhe salpica a boca de um sabor melífluo e suprimido, os pés de uma felina
incessável que se agita através de uma deliberação irreal à rendição e ao aprazimento.
A rua húmida e cálida denota um cheiro a alcatrão molhado
que sensualmente vai devorando os indivíduos que nela se inserem como pequenas
peças num tabuleiro onde o jogo é ilimitado.
Spike Hill avista-se a vários passos que os distanciam mas que são rapidamente encurtados por
passadas seguras e precisas, num girar de ancas muito ligeiro e sugestivo.
Empurra com a mão pequena a porta de madeira alta e penetra um espaço frenético
de batuques e melodias que se frisam no ar rasgado do estabelecimento em
frequências altas e disformes de jazz e blues quase seriamente experimentais. O
ambiente é pesado e intenso. O casaco comprido que lhe reveste as curvas
delineadas é puxado por um braço vigoroso e forte de um homem de barba já
branca que lhe segreda ao ouvido num sussurro lânguido:
-Ivy… - mas ela abre a boca num boleado perfeito de enlevo e
segue indistinta até ao balcão, despersonalizando-se enquanto caminha num
trajecto seguida de néones vermelhos que facultam o panorama underground de
Spike Hill. As pernas entrelaçam-se num sentar certo e quase autónomo e o
veludo macio das cuecas sente-se no entre pernas que vinca dois músculos firmes
suspensos pela pressão desmedida.
O olhar do homem é insistente e atravessa o compartimento
ainda que as costas voluptuosas o ignorem, mas comunicam numa ignorância tão
quimérica e extraordinariamente rude.
-Ivy… - corta novamente e ela volta-se, com dois cubos de
gelo frios entre a língua, desbotados pelo vermelho berrante dos lábios que se
vai aniquilando. Não que não o sinta porque os corpos cansados dos dois
roçam-se sob as luzes encarnadas e sobre o fumo embaçado daquele edifício
complicado. Arqueia as costas perigosamente e ele aproxima as mãos só ate
sentir o calor que emanam tão impetuosamente e que se dissipa num odor denso
mas deliciosamente doce.
-Ivy… - ressoa novamente e ambos engolem os quarenta e oito graus de
álcool cujo efeito veloz é patente logo após esse primeiro gole de muitos
outros já tomados. A voz ondula e reproduz-se no ar, anexando-se às frequências
improvisadas do sax e da bateria e do trompete mas é o som infalível do piano
que se distingue. Já não é o homem que a nomeia, já não é a música que toca, já
nem é, sequer, o whisky que se bebe. Cruzam-se várias parcelas essenciais mas
só se distingue uma…Ivy.Um exercício em Williamsburg.
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