You have to ask yourself what brought the person to this point

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Estou cansada de que o tempo passe.

-No que estás a pensar?
-Não ias acreditar se to dissesse.
-O quê?
-Estou a ter o meu tempo! – grita ela, por cima da melodia frenética do saxofone. Entreolham-se através de uma iluminação avermelhada e muito escassa, numa frequência demasiado baixa, são dois olhos que adquirem animalidade.
-Queres ir até qualquer sítio?
-Não!
-Porque é que me chamaste até aqui?
-Queria ver-te.
Joan sorri cinicamente.
-Só ver-me?
-Só ver-te. Sobretudo ver-te.
-Significa que não vamos sair daqui?
-Não sei. Não sei o que vamos fazer.
Joan tira um cigarro do bolso e acende-o, perscruta os músicos com o olhar e recorda-se da primeira vez que tocou no Harry’s. A voz de Crystal chega-lhe aguda, por entre as notas musicais.
-Não é curioso?
-O quê?
-Não saber até onde isto vai dar. É misterioso, é emocionante.
-Não quero saber, Crystal.
-Do quê?
-Do mistério! Quero levar-te para casa. Vamos!
-Ainda não.
-Quando?
-Quando a noite se cansar.
-A noite nunca se cansa.
-Quando eu me cansar então.
-Tu nunca te cansas.
-Porque é que estás a ser tão impaciente?
Joan fuma o cigarro e tenta abstrair-se na música enquanto Crystal sorri e agita suavemente a cabeça no ar melodioso do espaço, os caracóis que fez em casa em movimentos contínuos no topo da sua cabeça, num passe quase robótico. A voz de Joan grita novamente por cima da música e ela dá-lhe atenção:
-Estás a actuar?
-Não.
-Então vamos embora.
-Não.
-Queres estar quentinha?
Joan observa que lhe cativou a atenção, os dois olhos cinzentos a acariciarem os seus debaixo da luz escarlate.
-Vamos voltar?
-Claro que não.
-Para onde vamos?
-Para casa.
-Para a tua casa?
-Não, para a tua.
-Quando é que me levas até à tua casa?
-Um dia.
-Que dia?
-Qualquer dia.
-Não tenho a certeza de que isso é uma promessa.
-Não o é.
Crystal tira um cigarro e acende-o, deixa que o pescoço tombe para trás enquanto expele o fumo luminosamente avermelhado.
-Ouve, porque é que não queres vir?
-Os atores têm de se despir totalmente de quem são. É uma tarefa difícil.
-Ok. Ficamos.
Os músicos concluem o espetáculo e após os aplausos deixam o palco exaustos. Seguindo-os com o olhar, Crystal vê um deles limpar o suor a um pano branco e beber de uma garrafa de água pequena, o outro, dirigir-se ao bar e pedir um bourbon. Outro grupo de músicos sobe para o palco e uma batida lenta e orgânica ocupa o espaço, faz-se ressoar lentamente, num arrastar sensual de voluptuosidade. Instintivamente Crystal puxa de outro cigarro e Joan agarra-lhe a mão sobre o tampo da mesa.
-Ouve, vamos dançar.
-Está bem.
Joan e Crystal levantam-se, o grande chapéu dela a adornar a sua silhueta, sensualmente marcada pela luz e de movimentos passivos e bamboleantes, agitam-se à melodia que os músicos criam. Joan puxa-a de encontro a si e sentindo-lhe os contornos rijos do corpo inspira de satisfação e encosta o queixo delicadamente no ombro dela.
-Porque é que te comportas assim? – pergunta-lhe de timbre derrotado.
-Se eu mantivesse o meu mistério isto ia crescer e quando davas por ti já ias estar bastante envolvido. Era o que faria se te quisesse prender.
-Não prenderias.
-Tens a atitude certa, saberias como reagir e como me responder e seria certo que te prendesse.
-Ai sim? – profere ele num sussurro languido, as duas faces a esfregarem-se na parede invisível que os separa, os olhos semicerrados quase em êxtase da proximidade  dos dois corpos, que se tocam só em certa medida, com limitações – e porquê?
-Porque ias corresponder ao meu papel.
-Às vezes não te compreendo.
-Às vezes não me compreendo a mim mesma.
-Muito frequentemente?
-Muito.
-Deixa-me levar-te para casa.
-E depois?
-Quero uivar contigo.
-Vou romper em chamas.
-Deixa-me levar-te, deixa-me, deixa-me. Não queres gritar?
-Queres ouvir aquilo que sinto ou o que é apropriado dizer?
Joan fita-a na luz purpureja, acende um cigarro e coloca-lho teatralmente nos lábios, ela aperta os dois núcleos de carne rosácea no filtro do cigarro, cerra os olhos e inspira o fumo com determinação. A beleza enigmática dela consome-o.
-Não saberia o que dizer. – geme ela e uma lágrima rola-lhe dos olhos. Joan percebe-a porque as luzes foram alternadas e piscam em dois tons divergentes repartindo aquele choro subtil em vários fragmentos de imagem que se lhe instauram na memória com deceção.

-Não saberia também. – diz ele e sente que aquelas palavras não são suas. – Quero ver-te e tocar-te.


O Pijama da Gata, 2013

5 comentários:

  1. Ao deixa-la em casa, ele olha as formas. Imagina o toque, o toque que o deixa a suspirar faz tempo. Arrisca, vê a porta fechar e sai do carro, olha a porta, a campainha, que mais parece avariada. Chega-lhe o dedo e espera uma resposta. Nada.
    Dá uma volta, espreita as janelas e olha uma casa antiga, com uns sofás modernos a preencher os cantos, livros no chão, e a silhueta dela na contraluz a atravessar o corredor. Agora descalça, apenas com um soutien a cobrir-lhe os seios, com um cigarro nos lábios. Ele fica assombrado pela sensualidade dela, corre a procurar uma janela onde a veja melhor. Encontra-a na cozinha, sentada na mesa a enrolar os caracóis nos dedos e a fumar o cigarro como quem não precisa de mais nada na vida. Já ele precisava de a sentir, de sentir a pele dela, o cheiro, o sabor. Bateu na janela, num acto irrefletido e sem sentido. Ela olhou, assustou-se mas reconheceu aqueles olhos no escuro da rua. Abriu a janela e os seios dela emanavam calor num choque térmico com a rua gelada. Ele estava hipnotisado e sentia cada letra da frase que horas antes lhe tinha dito "Não saberia também".
    -Entra, anda - disse-lhe Crystal com a voz a tremer.
    -Deixa-me, eu vou-me embora.
    -Não - E sai a ir busca-lo à porta. Encontra-o a ir embora, apesar do frio, da nudez, do cigarro a arder na cozinha ela sai.- Entra, não fiques ai. Não saberemos o que dizer, mas o silêncio encarrega-se de nos esclarecer.
    -Não entendes pois não, - Diz Joan - eu quero-te desde que te li naqueles textos do jornal. Imaginava aquelas histórias, imaginava-te naquelas histórias. Imaginava-te a quereres ser um homem. Imaginava-te de fato, calças de prega, camisa apertada até a cima, gravata. Imaginava-te a marcares a tua presença, a desapertar os botões, a deixares o perfil dos seios a fazerem-se notar enquanto o teu chefe se babava com apertões debaixo da mesa. Imaginei o teu corpo a despir-se em mim, a tua camisola a cair-me na face, o teu peito a encher-me a boca...
    -Cala-te. Não comeces. Falamos lá dentro.
    -Eu não quero. - respondeu ele - Só quero se houver algum hipótese de te ter. De me enterrar em ti.
    -Deixa-me entrar, deixo a porta aberta e preparo um gin, se quiseres entra.
    Ela entrou de imediato, entre um suspiro e um encontrão na porta. Ele seguiu-a até ao tapete da entrada e reparou em todo o seu corpo desenhado numa mancha perfeita, escura.
    -Porque me foges à tanto tempo?
    -Porque te quero. - Respondeu Crystal - quero-te como a todos os outros que me tiveram, todos os que eu tive dentro de mim, todos os que me chuparam as mamas, me trincaram os bicos antes de se virem dentro de mim. Quero-te como todos eles, mas eu não te quero mal como a eles. Não quero que saias daqui a pensar em mim, a pensar como te saquei o melhor broche de sempre, não quero que sintas o meu cheiro na tua pele e penses em como eu sou boa a dançar em cima da tua picha. Não quero que tu queiras voltar a ver-me de quatro a gemer. Não quero. Quero-te aqui, ao lado, a desejar-me, a poderes ter qualquer mulher, mas a não quereres mais ninguém alem de mim. Quero-te aqui, a espiar-me o corpo. A espreitares-me a boca sedenta a morder o cigarro. Quero a imaginar-te a minha boca em ti. Não quero mais nada.
    Ele virou costas, ficou a imaginar tudo aquilo, e a morder o lábio da sua falta de coragem.

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  2. http://hostiavagabunda.blogspot.pt/2013/08/hoje-voltei-aproximar-me-das-teclas.html

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  3. Acertei, difícil não acertar, as morenas não sabem escrever desta forma. Falta saber no que acertei mais...

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