You have to ask yourself what brought the person to this point

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O que tu e eu temos não tem nome.

-Preferias ter-me seguido durante mais tempo? – ele olhou subitamente para ela – Não te preocupes. Não me sinto assustada. Só quis vir perceber o que te interessava tanto.
-Não foi com maldade, tenho tendência a fixar as pessoas.
-És um observador?
-Não sei.
-Acabaste de me dizer que tens tendência a ver e fixar as pessoas.
-Talvez seja.
-Que viste em mim?
James questionou-se se ela o conseguiria ler através das lentes dos óculos. Sentia uma descontração da sua parte que parecia requerer cautela na forma como ela conduzia aquela conversa, na forma como o fora abordar.
-Pareceste-me… - James puxou um bafo quente do cigarro e expeliu-o, o cinzento do fumo adquiriu um tom azulado – …deslocada.
-Deslocada do parque? - O olhar dela estava inundado de curiosidade.
-Deslocada de ti.
-Ah…estou a ver. Pareci-te vazia.
-Pareceste-me invulgarmente triste.
-Costumas interessar-te por pessoas tristes?
James pensou na resposta durante um momento e retorquiu:
-Não.
-Então foi a primeira vez?
-Sim.
-Quase que me sinto lisonjeada.
Ele puxou um trago do cigarro e perguntou timidamente:
-Posso fazer-te uma pergunta?
-Uma vez que é a primeira vez que isto te acontece, com certeza.
-Porque é que choravas?
Cara olhou para o lago onde se refletia o sol e levou pela última vez o cigarro à boca. Quando falou, as palavras soaram quase musicais.
-Sinto que ando a perder pedaços de mim.
James olhou repentinamente para ela, a rapariga retribuiu-lhe o olhar e sorriu amigavelmente. Ainda se conseguiam ver nos seus olhos as lágrimas secas e a vermelhidão do choro.
-Há quanto tempo?
-Toda a minha vida.
-Andaste a perder pedaços de ti durante toda a tua vida?
-Parece ilógico mas não o é tanto quanto parece.
-Poderás explicar-me?
-Não sei se posso. Provavelmente acharás que sou louca.
-Não.
-Estou-me marimbando para que aches que o sou, na realidade. Talvez o seja, um pouco louca.
Ela viu que ele olhava para a vedação do lago, com os óculos escuros a resguardarem-lhe a verdadeira expressão.
-Não queres tirar os óculos?
-Porquê?
-Porque gostava de ver os teus olhos. Estás a ver os meus e não é completamente justo.
James tirou os óculos e olhou para ela, a rapariga não se expressou inicialmente, depois riu-se e voltou a fixar a vedação.
-Com que então também tens olhos tristes.
-Vês isso nos meus olhos?
-Vejo. Tens os olhos mais tristes que vi hoje.
-Viste muitos?
-Alguns. As pessoas tristes vêm ocasionalmente para aqui. É um sítio adequado à tristeza, não achas?
-Talvez.
Ela recostou-se no banco e calou-se, James sentiu-lhe a respiração e um cheiro feminino que era muito diferente daquele a que ele estava habituado, parecia de certa forma mais agridoce.
-Dá-me outro cigarro.
Fumaram o cigarro em silêncio e os pensamentos seguiram trâmites opostos. Já era tarde e estava a ficar na hora de regressar a casa, a noite cairia brevemente e seria demasiado escuro para fazer o percurso inverso a pé. Havia um reconforto peculiar no silêncio que partilhava com esta estranha. A vozearia de umas crianças ao longe cessou e James aproveitou a deixa e irrompeu:
 -Está a ficar tarde, vou andando.
-Certamente. Adeus, estranho.
-James.
-Foi um prazer, James.
James esboçou aquilo que mais se aproximava de um sorriso e levantou-se.
-Estranho, não achas?
 Ele voltou-se.
-O quê?
-O que tu e eu temos não tem nome. 


Inércia, 2014

1 comentário:

  1. Kara chorava dantes por uma coisa que ainda sente. Será que chora agora por se sentir incompleta? Pela dor que é sentir a vida como uma desintegração de si...

    Curiosa coisa desintegrada é Kara. Sempre desconhecida de si própria e sempre querendo conhecer-se, como numa brincadeira infantil. Como no jogo das escondidas.

    Sempre é criança quando se desorienta de si.
    Sempre é mulher nos dias em que sai à rua perfumada com a sua melhor essência.
    Pronta a fazer do mundo o seu jogo.

    Sortudos são aqueles cujas narinas se enchem dos seus diferentes aromas. Aqueles que consigo podem brincar às escondidas. Ambos são prazer.

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