-Preferias ter-me
seguido durante mais tempo? – ele olhou subitamente para ela – Não te
preocupes. Não me sinto assustada. Só quis vir perceber o que te interessava
tanto.
-Não foi com maldade,
tenho tendência a fixar as pessoas.
-És um observador?
-Não sei.
-Acabaste de me dizer
que tens tendência a ver e fixar as pessoas.
-Talvez seja.
-Que viste em mim?
James questionou-se se
ela o conseguiria ler através das lentes dos óculos. Sentia uma descontração da
sua parte que parecia requerer cautela na forma como ela conduzia aquela conversa,
na forma como o fora abordar.
-Pareceste-me… - James
puxou um bafo quente do cigarro e expeliu-o, o cinzento do fumo adquiriu um tom
azulado – …deslocada.
-Deslocada do parque? -
O olhar dela estava inundado de curiosidade.
-Deslocada de ti.
-Ah…estou a ver.
Pareci-te vazia.
-Pareceste-me
invulgarmente triste.
-Costumas interessar-te
por pessoas tristes?
James pensou na resposta
durante um momento e retorquiu:
-Não.
-Então foi a primeira
vez?
-Sim.
-Quase que me sinto
lisonjeada.
Ele puxou um trago do
cigarro e perguntou timidamente:
-Posso fazer-te uma
pergunta?
-Uma vez que é a
primeira vez que isto te acontece, com certeza.
-Porque é que choravas?
Cara olhou para o lago
onde se refletia o sol e levou pela última vez o cigarro à boca. Quando falou,
as palavras soaram quase musicais.
-Sinto que ando a
perder pedaços de mim.
James olhou
repentinamente para ela, a rapariga retribuiu-lhe o olhar e sorriu
amigavelmente. Ainda se conseguiam ver nos seus olhos as lágrimas secas e a
vermelhidão do choro.
-Há quanto tempo?
-Toda a minha vida.
-Andaste a perder
pedaços de ti durante toda a tua vida?
-Parece ilógico mas não
o é tanto quanto parece.
-Poderás explicar-me?
-Não sei se posso.
Provavelmente acharás que sou louca.
-Não.
-Estou-me marimbando
para que aches que o sou, na realidade. Talvez o seja, um pouco louca.
Ela viu que ele olhava
para a vedação do lago, com os óculos escuros a resguardarem-lhe a verdadeira
expressão.
-Não queres tirar os
óculos?
-Porquê?
-Porque gostava de ver
os teus olhos. Estás a ver os meus e não é completamente justo.
James tirou os óculos e
olhou para ela, a rapariga não se expressou inicialmente, depois riu-se e
voltou a fixar a vedação.
-Com que então também
tens olhos tristes.
-Vês isso nos meus
olhos?
-Vejo. Tens os olhos
mais tristes que vi hoje.
-Viste muitos?
-Alguns. As pessoas
tristes vêm ocasionalmente para aqui. É um sítio adequado à tristeza, não
achas?
-Talvez.
Ela recostou-se no
banco e calou-se, James sentiu-lhe a respiração e um cheiro feminino que era muito
diferente daquele a que ele estava habituado, parecia de certa forma mais
agridoce.
-Dá-me outro cigarro.
Fumaram o cigarro em
silêncio e os pensamentos seguiram trâmites opostos. Já era tarde e estava a
ficar na hora de regressar a casa, a noite cairia brevemente e seria demasiado
escuro para fazer o percurso inverso a pé. Havia um reconforto peculiar no
silêncio que partilhava com esta estranha. A vozearia de umas crianças ao longe
cessou e James aproveitou a deixa e irrompeu:
-Está a ficar tarde, vou andando.
-Certamente. Adeus,
estranho.
-James.
-Foi um prazer, James.
James esboçou aquilo
que mais se aproximava de um sorriso e levantou-se.
-Estranho, não achas?
Ele voltou-se.
-O quê?
-O que tu e eu temos
não tem nome.
Kara chorava dantes por uma coisa que ainda sente. Será que chora agora por se sentir incompleta? Pela dor que é sentir a vida como uma desintegração de si...
ResponderEliminarCuriosa coisa desintegrada é Kara. Sempre desconhecida de si própria e sempre querendo conhecer-se, como numa brincadeira infantil. Como no jogo das escondidas.
Sempre é criança quando se desorienta de si.
Sempre é mulher nos dias em que sai à rua perfumada com a sua melhor essência.
Pronta a fazer do mundo o seu jogo.
Sortudos são aqueles cujas narinas se enchem dos seus diferentes aromas. Aqueles que consigo podem brincar às escondidas. Ambos são prazer.