You have to ask yourself what brought the person to this point

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

quem és tu

-Que se passa, Jim? – Correu na sua direção, com o cabelo molhado comprido a tapar-lhe os ombros – magoaste-te?
Surpreso com a questão, deitou-lhe um olhar inquisidor mas a orientação do olhar dela fê-lo perceber a questão. Levou as mãos à cara e a gota de sangue que já estava espalhada pela ponta do nariz, espalhou-se ainda mais, como se de um creme mal disperso se tratasse.
-Uma pequena ferida na mão, Jane, não é nada.
Ela tocou-lhe suavemente na pele da cara suja e ele observou-a timidamente, mas sem receio. Era fragmentária a forma como chegavam um ao outro, agora já nada acontecia na totalidade. Era incrível a quantidade de pedaços que ele podia isolar naquele momento da sua vida, constituída de parcelas oscilantes e de inclinações dispersas. Afinal quem era ele? Via ali tanta gente intrincada. Lembrou-se das palavras do Doutor Bell, o psiquiatra e psicoterapeuta que o acompanhava há, mais ou menos, um ano e sentiu-se, tal como ele afirmara, fragmentado.
-Cada vez que olho para ti é inevitável não me lembrar da primeira vez que nos conhecemos. Ainda te consegues lembrar?
James pensou um pouco, ainda conseguia.
-Uma pessoa repara na outra, repara ainda mais. Depois fica louco por ela.
-Jane…
-Deixa, não precisas de mo dizer. Mas penso nisto várias vezes. São os teus olhos.
-Os meus olhos?
Ela fez-lhe um afago lento e reconfortante na pálpebra.
-Os teus olhos. Tens os olhos mais meigos de todos os homens que eu conheço.
-E tu conheces muitos homens.
-Pois conheço. Muitos.
Um sorriso fechado desenhou-se-lhe nos lábios, para que os olhos não parecessem tão torturados. Era perfeitamente percetível o suplício que os habitava. James apercebeu-se, subitamente, que estavam os dois despidos, apenas enrolados na toalha, embora aquela nudez não se sentisse, o que o fez descobrir ironia em tudo aquilo. Jane afastou a mão da sua cara e ele sentiu o cheiro doce da sua pele desaparecer, evaporar-se para longe. Lentamente, como numa memória, viu-a afastar-se, em direção ao quarto, o cabelo molhado até meio das costas. Vislumbrou a figura esbelta a desaparecer na escuridão do corredor, como um delírio desfocado.
-Não percebo porque é que ainda vês os meus olhos da mesma forma. – ripostou, num timbre baixo mas que chegou até ela.
-Tu estás tão enterrado dentro disso que já não percebes nada. Mas não importa, eu espero. – respondeu, sem o ver, a voz a esbater-se pelo infinidade do ar.

James moveu-se em direção à casa de banho para procurar as roupas que tinha despido anteriormente, encontrou-as e vestiu-as. A divisão estava revestida de humidade, provocada pelo banho dela. Inevitavelmente, deu por si, a ler as palavras mais uma vez, enquanto as roupas lhe deslizavam pela pele e se agarravam ao corpo. James viu-se perpetuamente vigiado pelas palavras escritas no vidro embaciado, aquelas a que ele parecia não conseguir fugir. 

Inércia, 2014


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