-Que
se passa, Jim? – Correu na sua direção, com o cabelo molhado comprido a
tapar-lhe os ombros – magoaste-te?
Surpreso
com a questão, deitou-lhe um olhar inquisidor mas a orientação do olhar dela
fê-lo perceber a questão. Levou as mãos à cara e a gota de sangue que já estava
espalhada pela ponta do nariz, espalhou-se ainda mais, como se de um creme mal disperso
se tratasse.
-Uma
pequena ferida na mão, Jane, não é nada.
Ela
tocou-lhe suavemente na pele da cara suja e ele observou-a timidamente, mas sem
receio. Era fragmentária a forma como chegavam um ao outro, agora já nada
acontecia na totalidade. Era incrível a quantidade de pedaços que ele podia
isolar naquele momento da sua vida, constituída de parcelas oscilantes e de
inclinações dispersas. Afinal quem era ele? Via ali tanta gente intrincada.
Lembrou-se das palavras do Doutor Bell, o psiquiatra e psicoterapeuta que o
acompanhava há, mais ou menos, um ano e sentiu-se, tal como ele afirmara,
fragmentado.
-Cada
vez que olho para ti é inevitável não me lembrar da primeira vez que nos
conhecemos. Ainda te consegues lembrar?
James
pensou um pouco, ainda conseguia.
-Uma
pessoa repara na outra, repara ainda mais. Depois fica louco por ela.
-Jane…
-Deixa,
não precisas de mo dizer. Mas penso nisto várias vezes. São os teus olhos.
-Os
meus olhos?
Ela
fez-lhe um afago lento e reconfortante na pálpebra.
-Os
teus olhos. Tens os olhos mais meigos de todos os homens que eu conheço.
-E
tu conheces muitos homens.
-Pois
conheço. Muitos.
Um
sorriso fechado desenhou-se-lhe nos lábios, para que os olhos não parecessem
tão torturados. Era perfeitamente percetível o suplício que os habitava. James
apercebeu-se, subitamente, que estavam os dois despidos, apenas enrolados na
toalha, embora aquela nudez não se sentisse, o que o fez descobrir ironia em
tudo aquilo. Jane afastou a mão da sua cara e ele sentiu o cheiro doce da sua
pele desaparecer, evaporar-se para longe. Lentamente, como numa memória, viu-a
afastar-se, em direção ao quarto, o cabelo molhado até meio das costas. Vislumbrou
a figura esbelta a desaparecer na escuridão do corredor, como um delírio
desfocado.
-Não
percebo porque é que ainda vês os meus olhos da mesma forma. – ripostou, num
timbre baixo mas que chegou até ela.
-Tu
estás tão enterrado dentro disso que já não percebes nada. Mas não importa, eu
espero. – respondeu, sem o ver, a voz a esbater-se pelo infinidade do ar.
James
moveu-se em direção à casa de banho para procurar as roupas que tinha despido
anteriormente, encontrou-as e vestiu-as. A divisão estava revestida de humidade,
provocada pelo banho dela. Inevitavelmente, deu por si, a ler as palavras mais
uma vez, enquanto as roupas lhe deslizavam pela pele e se agarravam ao corpo.
James viu-se perpetuamente vigiado pelas palavras escritas no vidro embaciado,
aquelas a que ele parecia não conseguir fugir.
Inércia, 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário