You have to ask yourself what brought the person to this point

terça-feira, 30 de outubro de 2012

leavingthat


            -És uma rapariga estranha, sabias? – Fita-me incrédulo, com os olhos cinzentos brilhantes e altivos. Os boxers brancos estão deixados no chão e o pénis flácido bate-lhe nas virilhas esteticamente embelezado. – Mas não me importo. Queres sair, não queres? Então sai, por favor. Sai. Estás completamente à vontade para o fazeres.
            O meu olhar desmorona-se e deixo de nutrir a mesma necessidade de fugir e de não voltar. Subitamente quero ficar e dormir cá novamente, envolta nos seus braços, no calor de um corpo humano, enriquecida com a falta da memória da noite passada, com a ausência de uma projecção de um futuro, sem expectativas. Quero tudo excepto sair e é a única coisa que me parece ser possível.
            -Sai. – volta a dizer-me, já sem sequer me fitar e cerro os punhos porque é necessário manter-me controlada. Fico assim, indiferente, à porta do quarto, ainda com o papel envolto nos dedos e a maçaneta da porta na outra mão. Controlo-me. Dirijo o olhar para a porta onde as expectativas se projectam e saio, fechando-a atrás de mim. Só que quando saio estas ficam lá dentro. Antes de descer os degraus para o rés-do-chão encosto-me à porta de cócoras e choro. Levanto-me e sigo caminho enquanto acendo um cigarro Malboro que fumo até encontrar o portão onde o James me espera paciente e pronto.
            -Bom dia, Miss Falloon. – cumprimenta, ainda com o jornal entre as mãos e com um sorriso branco.
            -Bom dia, James. Podemos, por favor, ir embora o mais rapidamente possível?
            -Claro, menina. Qual é o destino?
            -Para casa, por favor.
            Duas lágrimas descem-me até ao queixo mas arduamente são perceptíveis graças aos óculos escuros.
            - Está tudo bem, menina? – pergunta-me num tom de voz suavemente alertado. Limpo as lágrimas mas novamente outras duas escorrem. Fito a janela do quarto do Steve de onde sinto que me observa, já com os boxers vestidos, o cabelo negro despenteado e os olhos cinzentos muito brilhantes e sem expectativa. Olho para o espelho retrovisor onde também o olhar de James me estuda.
            -Ficará. – digo-lhe. Sem expectativa.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

my old soul


-A música escocesa de noite alcoólica em melancolia é só o que reveste o quarto. Começo a pensar que já tivemos muito longe disto, passou algum tempo e estamos juntos neste quarto. O som torna tudo muito fácil. É quase como se embebesse aqueles scotches pela sonoridade. Bêbeda na lua. Talvez também não seja assim tão difícil, talvez também não seja assim tão difícil falar e de qualquer das formas talvez até consiga tentar.
            -O quarto está mais seguro agora. A minha filha também o sente. Sorrio-lhe calorosamente e sabemos que não há problema em falar. Observo-a enquanto ela se levanta e se senta no cadeirão a meu lado. 

-Nos seus olhos castanhos brilha o esforço em fazer com que eu fale. Exponho-me mais, mas calmamente. Disse-lhe sobre os meus amantes, sobre como nunca podemos ficar juntos, como nunca me apego verdadeiramente, sobre como sou complicada e problemática, sobre como estou tão caída em mim que não sei sair. Disse-lhe sobre o que passou, sobre ser pequena, sobre nunca ter sabido como era ser pequena. Seria bom? Todos parecem ter apreciado. Nunca me senti muito pequena.
-Deve ser triste.
-O quê?
-Ter a alma velha.







Conto 5: Laphroaig, História de uma garrafa de whisky 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

I'm sorry


É tudo demasiado erótico para ti. Para o fumo do teu cigarro e para as gotas do teu whisky. <<É tudo demasiado erótico para todas as pessoas. É tudo demasiado. Entende a dimensão de demasiado?>> Não entendo a dimensão de nada. As coisas estão “desimensificadas”. Eu encontro-me desimensificada. Perdida. Embebida em whisky e cigarros. Adormecida num estado de despertar constante. Inexistente numa existência imensurável. Só que, ironicamente, isolada. Ausente de todos os passos grandiosos que tu dás, de todas as instâncias sacras que tu retrais. De todas as ocultações que tu, com tirania, exploras. Sou a tua última indagação com êxito. O desenlace será previsível a partir de agora. Já conheço todos os finais dos teus começos, todos os ataques dos teus combates. Conheço o sítio onde vives sem nunca ter, porém, chegado lá. Broto novamente e cesso este parágrafo, com o resto da bebida que se balança no copo e acendo um cigarro. O que se iniciou como um projecto de libertação transformou-se numa eloquência colossal e eu sei que não evito brindar demasiado. Não gosto de partilhar essas coisas. Nem tu. Sabes que estou correcta. Lamento não ser o teu papel.











Conto 4: Ballantines, História de uma Garrafa de Whisky