um homem sentou-se
a seu lado e dirigiu-se ao empregado:
-Quero o mesmo que
ele está a beber.
Quando ouviu a
voz, lembrou-se de alguém, mas a cara não se lhe assemelhava, voltou a cabeça
na sua direção e viu um homem jovem de mãos grandes e rosto esplêndido. Lembrou-se
que na última vez que o tinha visto, ele tocava piano com uma elegância
extrema.
-Homem que tens as
minhas mãos…. - contemplou-o na luz quente do bar e achou-lhe a voz muito
arrastada e tentadora. - … tens sonhado?
-Sonhado? –
Respirou James, vexado.
-De noite, nos
teus medos.
James baixou a
cabeça e aproximou-a da superfície vermelha do balcão, sentiu um peso terrível
abatê-lo.
-É incrível –
suspirou – mas não me recordo.
-É uma pena… –
disse Daniel – …mas hoje vais sonhar.
-Porque é que
estás aqui?
-Porque a vida é
formada de ocasionalidades.
James olhou para
ele e sentiu qualquer coisa de anormal, uma aura praticamente inalcançável. Viu
três reproduções do mesmo homem sentadas a seu lado.
-Porque é que
estás a usar as minhas mãos?
Daniel olhou para
os dedos compridos e inspeccionou-os dos dois lados, depois voltou o olhar para
James e semicerrou os olhos.
-Porque as coisas
nem sempre parecem o que são.
-Sr., é mais um
whisky. – pediu, James.
-Dê-me outro
igual. – acrescentou, Daniel.
O barman serviu os
dois homens e encostou-se na pose anterior, a observá-los friamente.
-Quando é que vais
voltar ao trabalho? – inquiriu, o rapaz.
-Não sei…não sei o
tempo de nada.
-O tempo… - Daniel
olhou para a parede do estabelecimento onde surgiram quatro relógios idênticos,
mas com diferentes horas marcadas. James apoiou a cabeça nos antebraços porque
a sentia grande e a latejar, mas o seu olhar não se despegava dos oito
ponteiros que giravam nos quatro relógios. – Lá, fora da vidraça, não existe tempo.
James olhou para a
porta verde por onde ambos tinham entrado, mas não conseguiu compreender a que
é que ele se referia.
-É do tempo que me
estás a falar?
-É do teu
trabalho. Lá fora, já não existe nada. Vais perceber logo à noite quando
sonhares.
James olhou-o
muito fixamente e achou que era o homem mais espantosamente bonito que ele
alguma vez vira.
-Estou a ver-te
perdido num sítio qualquer, a usar as minhas mãos.
-Está na hora de
eu me ir embora – Declarou Daniel, enquanto se levantava e largava duas ou três
notas em cima do balcão. – Mas olha, não te assustes...vai ser a única vez que
vais sonhar isto, mas vai dizer-te muitas coisas. Vais perceber muitas coisas.
-Vou perceber-me?
-És um bom
observador?
-Quando sei ver.
-Saber ver bem é
um dom. Aprende a ver sempre bem.
-Como?
Daniel
aproximou-se dele e tocou-lhe ao de leve na sobrancelha.
-Com esses olhos,
com olhos como os teus, tens de saber ver sempre bem.
James fechou os olhos
quando as mãos compridas do rapaz o acariciaram nas pálpebras.
-E se me esquecer?
-Não feches os
olhos e não te esquecerás. É muito simples. Deixa só os olhos abertos e estará
sempre tudo aqui para que o vejas.
James seguiu-o com
o olhar, até as suas linhas representarem apenas um desenho vago na sua memória
distorcida. O rapaz tinha-se ido embora. James levantou-se, mas o empregado
dirigiu-se-lhe:
-A conta.
-Ah, sim… - murmurou,
enquanto procurava dinheiro no bolso. Deixou três notas em cima do balcão. –
Fique com os minutos.
Inércia, 2014