-Criar aproxima as pessoas. Concebemos uma viagem que nunca aconteceu
mas já voltámos e estamos novamente no quarto onde o único movimento é
realizado pela ventoinha. Ele enche um copo de whisky e saboreia-o.
-Não é para arrancar, é para
celebrar o arranque. Ela observa-me,
observamo-nos em silêncio.
-Encho também eu um copo e vejo o líquido verter e cintilar. Brilha ao
lado de dois cubos de gelo transparentes que se diluem. Tinha pedido sem
gelo. Devo bebê-lo rápido para que a sua
essência não se dissipe. A atmosfera do quarto parece mais leve mas ainda
condensada. Não é dos sítios, nem do ar, é das pessoas. É só de nós os dois.
Dou um gole no Laphroaig e o som implacável dos lábios a sorverem a bebida
anexa-se ao da língua a envolvê-lo e da garganta a fazê-lo deslizar,
ruidosamente, até ao estômago. É o único som que aniquila os outros, o da
ausência de palavras, o da solidão de um ser a beber sozinho na presença de
outro que também bebe mas não faz som. Era como se não existisse mais nada.
Conto 5: Laphroaig, História de uma Garrafa de Whisky