O
quarto escureceu. Alguém se movimenta na escuridão diante de mim. Vejo as
sombras esguias e indefinidas a formarem-se no painel negro que me é
perceptível e murmuro dois ou três sons antes de dar um passo em falso e o
tentar agarrar. A sombra. Espirra. É um espirro muito ligeiro e propositadamente
inanalisável. Pela densidade do ar diria que se trata de um homem, mas os
movimentos são notoriamente femininos. Escuta-se um arrastar de tecido pela
superfície da pele e é tudo demasiado sensual.
Há
uma cadela que se rebola pela minha cama e diz que quando quer se consegue
transformar em gata, digo-lhe que sou um céptico e depois ela faz com que eu
não me mexa mais da cama. Nem sequer me deixa chegar ao pé do meu saxofone, a
cadelinha. Diz que ali é tudo dela e que se quero continuar a vê-la tenho de deixar
de ser narcisista. Não são as minhas trombas a única coisa de relevante no
mundo. Digo-lhe que nem sequer sei o que é que é relevante. Tipo a palavra…
relevante…Depois imploro mais um bocadinho e digo que isto é deveras importante
e que quando um músico sente a música a fluir-lhe pelo corpo ele tem de a
agarrar e de fazer amor com ela para que ela não se vá embora como uma
cadelinha ingrata. Ela diz que não se importa, que quem já tem uma cadelinha
não precisa de duas. Mas ela não sabe que quem tem uma cadelinha precisa sempre
de mais do que uma.
Conto 6: Ardbeg, História de uma Garrafa de Whisky
Sem comentários:
Enviar um comentário