You have to ask yourself what brought the person to this point

terça-feira, 20 de setembro de 2011

uniformizada

            Agora, como lhe disse, não percebo a potencialidade dessa questão. É demasiado ambígua. Sim, temos tendência a dispersar-nos. Mas, anote agora, era tudo um sonho. Correcto? Era tudo um jogo perigoso de onde ambos queríamos sair queimados.
            Não sei do que estou à procura, risca-me a mente ao observar-me completa diante do espelho onde procuro indícios e vestígios que não sejam distinguíveis nos corpos de nenhum outro individuo. Nem do Figgy, nem da Nancy, nem do Led. Só que, à medida que me vou sentindo nas mãos, a pele parece-se mais ligeira, menos mundana, mais irreal, mais idílica. O prazer, a dor, a alegria, a euforia, são tudo peças tão insignificantes e dispensáveis que facilmente as possa alterar com a dosagem correcta. Abro a palma da mão onde ele se assinala, um pequeno comprimidinho cor-de-rosa repleto de serotonina e amor. Dispersa-se tudo e os meus olhos revelam duas existências que se começam a uniformizar. A verdade é que não sei o que procuro. É tudo um sonho. Engulo o comprimido e permaneço inexpressiva fitando-me. Realidade. A verdade é que tudo em mim parece tão longe disso.


Conto 7: Suntory Yamazaki Single Malt Whisky, História de uma Garrafa de Whisky

domingo, 18 de setembro de 2011

anotar: vou

Não vai ser muito pelo acto de escrever porque eventualmente, com o passar dos anos, vou-me apercebendo de que escrever é só uma forma de descontrair o que me vai na mente. À medida que o vou soltando para o papel, sob uns contornos e outros vou aliviando o pensamento de um peso tremendo que é o da reminiscência. Nós lembramos demasiado e temos dificuldade em lidar com essa memória toda arquivada em células pequeninas. Principalmente quando ficamos sozinhos, as memórias soltam-se todas como serotonina no cérebro e temos uma inundação de sensações ardilosas. Vou-me aperceber de que a escrita automática funciona, a escrita regular também, outros géneros mais alternados exprimem bem a matéria que não consigo articular naturalmente. Nisto vou conhecendo muitas pessoas. Personagens. Anotar: nem toda a gente que conheces é real…mas as histórias são.
Vou voltar a sentar-me lá umas quantas vezes, ao nível da porta e pensar, porque é que a normalidade é tão difícil de seguir, de nos agarrar. A maioria das vezes vou sentar-me por lá e ficar a ponderar na Barbarella. Vou ter de seleccionar palavras e é uma responsabilidade muito pesada. Vou passear em mil mentes e vou conhecer várias histórias. Mas vou-me sentir cansada e eventualmente terei de voltar ao quarto, sentar-me e pensar. Anotar: de onde é que isto tudo vem?



Conto 8: Cutty Sark Whisky, História de Uma garrafa de whisky