Eu
percebia tudo mas ela não. Ou talvez fosse ela quem percebesse tudo e eu não. O
que conta é que foi aí que ficámos. E uns tempos mais tarde ela saiu da minha
casa e eu queria que ela se fosse embora porque não aguentava mais com aquele
cheiro. Era um odor demasiado…matreiro. Ficava empregue nos lençóis, nas roupas
que usava (mesmo após a sua lavagem, e eu bem tentava) e no ar que se fixava
nas paredes, entranhado. Cheirava tudo a ela e a febre era latente.
Arrastava-me languidamente pelas divisões da casa e esfregava-me, tal gata com
cio. Demorou algum tempo até sair esse fedor. Até ficar completamente aniilado.
E depois foi-me permitido que vivesse em paz mas sempre consumida por uma
ideia, que não era concretamente uma ideia, mais uma imagem, uma lembrança, de
a ver passar a sala, discretamente nas pontas dos pés para não fazer barulho,
soprar-me um beijo silencioso com o dedo esguio encostado aos lábios carnudos e
desaparecer pelo vão das escadas. E eu já sabia…oh! Sabia tão bem! Onde é que
ela estaria, com as meias enroladas nas mãos, a subir pelas pernas, através da
pele, o olhar muito estreito e observador que ela me dirigia “Eu sei que estás
aí”, “Eu sei que me viste” para depois desaparecer porque eu apagava a luz. Não
precisava de ver. “Fica aí dentro.”, quase lhe dizia, “não há necessidade de
vires fazer isso aqui para fora. Esconde-te. Deixa-me.” E passava novamente
para escovar os dentes e observar-me ao espelho; as feições da face sobre
outras feições da face e puxava a minha meia preta também. Sabem aquelas
pessoas que conhecemos durante muito tempo mas que quando chega a uma altura
nos apercebemos de que não sabemos quase nada sobre elas porque estávamos tão
tremendamente apaixonados que nos esquecemos do que é que no meio daquilo tudo
era o amor e o que era de facto a realidade? Ela era como uma canção triste de
Jazz, pode falar sobre muita coisa, mas é repleta de brusca nostalgia e
choramos sempre.
Conto 9: Black Velvet Canadian Whiskey, História de uma Garrafa de Whisky